terça-feira, 24 de março de 2020



Para Conter o Avanço Explosivo

Redução precoce do contato social favorece o controle mais rápido do espalhamento do novo coronavírus


             Em apenas três meses, de dezembro de 2019 a março deste ano, a nova variedade de coronavírus surgida na China infectou 185 mil pessoas em 159 países, disseminando uma doença respiratória semelhante à gripe, porém mais grave e letal. Nesse curto intervalo de tempo, houve quase 7,5 mil mortes – entre elas, quatro no Brasil, confirmadas até 18 de março. Uma análise inicial dos dados brasileiros realizada por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade Federal do ABC (UFABC) indica que o número de casos dobra no país a cada 2,5 dias. O avanço da epidemia do coronavírus, de proporções planetárias, possivelmente a de mais rápida disseminação nos últimos 100 anos, veio acompanhado de uma enxurrada de informações em tempo real, algumas contendo conceitos pouco familiares às pessoas. Um deles ganhou o noticiário e até as conversas de cafezinho, ao mesmo tempo que surgiam medidas governamentais mais severas para reduzir o contato social: é o conceito de curva epidêmica, que veio acompanhado da ideia de que é preciso achatá-la para evitar a implosão dos sistemas de saúde.


             Mas o que é a tal curva e o que significa achatá-la? A curva epidêmica é representada por um gráfico simples, porém útil para as autoridades de saúde. Velha conhecida dos epidemiologistas, pesquisadores que investigam como as doenças atingem diferentes populações, ela mostra o número de casos no tempo e permite conhecer a evolução inicial da doença, algo fundamental para o planejamento de ações de saúde pública. Muitas das novas infecções que se abatem sobre a humanidade se comportam de modo semelhante e produzem uma curva epidêmica com a mesma aparência, quase sempre um gráfico em forma de sino. O gráfico é mais estreito no eixo horizontal e alongado no vertical quando a infecção se dissemina rapidamente. E mais bojudo na horizontal e achatado na vertical em epidemias de espalhamento lento. Apresentada nas páginas da revista britânica The Economist no início de março, a figura correu o mundo por representar de modo simples o desafio do sistema de saúde dos vários países diante da propagação do novo coronavírus, o Sars-CoV-2, causador da Covid-19.

          Assim como as curvas epidêmicas de outras infecções, a do novo coronavírus vem sendo fatiada em três faixas verticais para avaliar a evolução do problema: uma à esquerda, outra central e a terceira, à direita. A faixa mais à esquerda é a que chama mais a atenção de autoridades de saúde atualmente. No caso de infecções novas, contra as quais as pessoas ainda não têm imunidade e que podem contagiar toda a população, essa parte da curva descreve a fase de crescimento exponencial ou acelerado da epidemia. Nela, o número de casos cresce tão rapidamente que o total dobra em poucos dias. Quanto maior esse ritmo de crescimento, mais íngreme se torna a curva. 
        Toda epidemia – seja local, seja disseminada por uma vasta região do planeta, a chamada pandemia — tem um início, um pico e uma fase final, na qual pode seguir dois caminhos: extinguir-se completamente ou manter um número mais ou menos estável de casos (viram endemias). Epidemiologistas e autoridades da saúde mantêm o foco nessa fase de crescimento acelerado porque ela dita o ritmo de avanço da enfermidade e permite projetar quando a epidemia atingirá seu pico e como ele será. Se o crescimento inicial é íngreme demais, o número de casos pode rapidamente ultrapassar a capacidade de atendimento do sistema de saúde, levando-o ao colapso, como aconteceu em fevereiro e março no norte da Itália. 
          
            “Do ponto de vista da saúde pública, essa fase inicial é o momento de agir, e agir o quanto antes, para tentar desacelerar o ritmo de crescimento da epidemia e reduzir a altura do pico para o nível mais baixo possível, tornando a curva achatada”, afirma o físico Roberto Kraenkel, do Instituto de Física Teórica da Unesp, que trabalha com modelos matemáticos ligados à ecologia e à epidemiologia. Com colaboradores da USP e da UFABC, Kraenkel está usando os dados oficiais para acompanhar a evolução da epidemia do novo coronavírus no Brasil. 
        A partir dos dados divulgados até 17 de março, quando havia 291 pessoas infectadas no país, o grupo calculou um dos parâmetros que influencia a fase acelerada da epidemia: o tempo de duplicação do total de casos da doença. Segundo os cálculos do grupo de Kraenkel, atualmente o número de casos dobra, em média, a cada 2,5 dias. “Como o tempo desde o início da epidemia no Brasil ainda é curto, temos poucos dados e a margem de erro é grande, o que significa que os casos podem dobrar um pouco mais rapidamente, a cada 2,2 dias, ou um pouco mais lentamente, a cada 3,1 dias”, relata o pesquisador. Esse número, no entanto, é suficiente para estimar com um bom grau de precisão como estará a situação nos próximos dias. O grupo projeta que por volta de 1,7 mil casos já tenham sido identificados até a próxima segunda-feira, dia 23. Esse número pode ser um pouco menor, na faixa de 1,3 mil, se o tempo de duplicação for mais longo, ou mais, da ordem de 2,3 mil, se a epidemia se espalhar mais rapidamente, como indica o intervalo no gráfico no site Observatório Covid-19BR, lançado em 18 de março.
         A redução da velocidade inicial da epidemia com o consequente achatamento da curva é fundamental para não sobrecarregar os hospitais e suas unidades de terapia intensiva (UTIs). Estima-se que apenas 20% das pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 apresentem algum sintoma. Delas, 14% precisam de internação hospitalar e 5% vão parar em UTIs. Como o número de leitos é limitado, o aumento rápido de infecções e de agravamento pode ultrapassar a capacidade de internações do país – no Brasil existem cerca de 450 mil leitos em hospitais públicos e privados, dos quais 41 mil são de UTI, segundo levantamento feito em 2016 pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Reduzindo o espalhamento das infecções, mesmo que o total de pessoas que contrairá o vírus permaneça o mesmo, o pico da epidemia se torna mais distribuído no tempo, o que significa que menos pessoas vão parar no hospital ao mesmo tempo. Essa medida, segundo afirmou Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, à imprensa em 10 de março, levaria a ter menos pessoas infectadas e, em última instância, a ter menos mortes.
      Uma forma eficaz de achatar o pico das epidemias é vacinar a população. Como ainda não existe vacina desenvolvida e testada contra o novo coronavírus, as medidas mais eficazes têm sido o distanciamento e o isolamento social. Esse procedimento ajuda a diminuir o número de pessoas para as quais um indivíduo infectado pode transmitir o vírus. “Ao fazer isso, provavelmente o mesmo número de pessoas terá sido infectado ao final da epidemia, que deverá durar mais tempo, mas o número de casos graves ocorrerá de modo mais esparso. Isso significa que, caso se plote um gráfico do número de casos ao longo do tempo, a curva de subida e descida é mais extensa, mas seu pico é menor. Ao ‘achatar a curva’ dessa maneira, as UTIs terão menos probabilidade de ficar sobrecarregadas”, escreveu o trio de matemáticos Andrew Black, Dennis Liu e Lewis Mitchell, da Universidade de Adelaide, na Austrália, em um artigo publicado em 16 de março na revista eletrônica The Conversation.
         A ideia de que o achatamento da curva poderia funcionar ganhou crédito depois que o governo da China cancelou as festividades de Ano-Novo em janeiro, restringiu as viagens e orientou que milhões de pessoas em diferentes cidades permanecessem em casa. Desse modo, o país conseguiu em cerca de um mês reduzir o número diário de novos casos dos quase 3,9 mil do auge, para pouco mais de uma dezena.

        Aparentemente é possível aproveitar o comportamento acelerado da fase inicial da epidemia para agilizar seu controle. Para isso, no entanto, é preciso agir o quanto antes nessa fase inicial, explicou a epidemiologista britânica Britta Jewell, pesquisadora do Imperial College London e especialista em modelagem de doenças infecciosas, em entrevista publicada em 11 de março no jornal The New York Times. Jewell relata que os modelos matemáticos mostrando o efeito do distanciamento social no surgimento de novos casos chamaram-lhe a atenção. “Só é preciso uma diferença de um dia na adoção da medida para haver uma redução de 40% nos casos. Isso é um efeito enorme. Realmente transmite a urgência da situação”, disse.
         Usando dados da epidemia nos Estados Unidos na semana passada, com o número de casos aumentando em 30% ao dia, Jewell fez uma projeção do que ocorreria se ações como cancelamento de eventos, restrições de viagens fossem tomadas agora ou uma semana mais tarde. Nessa situação hipotética, impedir uma única infecção hoje aumentaria em quatro vezes o número de casos que se evitaria um mês mais tarde. “Se agirmos hoje, teremos evitado quatro vezes mais infecções no próximo mês: aproximadamente 2.400 infecções evitadas, diante de apenas 600 se esperarmos uma semana”, disse a pesquisadora.
     No Brasil, os dados ainda são mais iniciais e não se conhecem outras características da epidemia que permitam traçar sua evolução, como o número de pessoas para as quais um indivíduo infectado pode transmitir o vírus. Kraenkel e seus colaboradores pretendem acompanhar a evolução do quadro nas próximas semanas para avaliar se as medidas adotadas (cancelamento de aulas e orientação para as pessoas ficarem em casa e evitarem contato com outros indivíduos) estão sendo suficientes para reduzir a velocidade de espalhamento do vírus ou se serão necessárias ações mais drásticas, como o fechamento de locais públicos e restrição da mobilidade das pessoas, já adotadas na Itália, França e Espanha. “Saberemos em breve”, diz Kraenkel. 

Cidades à Sombra do Coronavírus

Estudo identifica capitais brasileiras com maior risco de enfrentar surtos de Sars-Cov-2 na fase inicial da epidemia


Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Recife. Depois de São Paulo e do Rio de Janeiro, essas sete capitais brasileiras são as próximas cidades com risco de desenvolver surtos de infecção pelo novo coronavírus no país, caso medidas de restrição de mobilidade de pessoas, como o isolamento e o distanciamento social, não sejam de fato implementadas ou, se tomadas, não venham a funcionar.
O ranking das capitais e das microrregiões brasileiras com maior probabilidade de enfrentar surtos do coronavírus Sars-Cov-2 nas próximas semanas foi elaborado por um grupo de pesquisadores da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), ambas no Rio de Janeiro. Em um trabalho coordenado pelo físico Marcelo Ferreira da Costa Gomes, especialista em modelos de propagação doenças da Fiocruz, a equipe analisou o fluxo aéreo de pessoas que partem do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas primeiras cidades a apresentarem transmissão comunitária sustentada do vírus, para as outras capitais e municípios de grande porte do país. Os pesquisadores também levaram em consideração um fenômeno importante nas regiões metropolitanas e cidades maiores do interior: a chamada mobilidade pendular, trânsito diário de pessoas entre o município em que estudam ou trabalham e aquele em que residem.
Tomando como base as características do tráfego aéreo nacional e os deslocamentos no interior dos estados, Gomes e seus colaboradores buscaram identificar como, a partir de dois focos iniciais (São Paulo e Rio de Janeiro), o Sars-Cov-2 poderia se disseminar pelo país. Em um primeiro momento, que pode durar umas poucas semanas, a epidemia não se espalharia por todas as regiões nem com a mesma intensidade. Além das sete capitais, ela deve se concentrar nas cidades altamente conectadas por via terrestre no Vale do Paraíba, entre São Paulo e Rio, como se pode ver no mapa. “Embora esse seja o pior cenário, ele pode auxiliar as autoridades a identificar áreas prioritárias para a alocação de recursos”, conta o pesquisador, que já apresentou os resultados ao Ministério da Saúde e a outros gestores públicos. “Ainda que as medidas que vêm sendo tomadas reduzam o fluxo de pessoas, a ordem das cidades e regiões a serem afetadas não deve mudar”, afirma Gomes.
Esse mapeamento, em preparação para ser publicado em uma revista científica, confirmou ainda algo já esperado: a capital paulista tem potencial de contribuir mais para o espalhamento do vírus pelo país do que o Rio. Principal hub de conexões aéreas do Brasil, São Paulo gera um fluxo elevado de pessoas mesmo para as regiões geograficamente mais distantes. Caso o principal ponto de disseminação fosse a capital fluminense, os surtos demorariam mais tempo para atingir outros pontos do país, uma vez que o número de conexões aéreas entre essa cidade e outras é menor. 
“Esse trabalho faz uma integração de dados difíceis de obter e usa uma metodologia que é o estado da arte para investigar doenças com potencial espalhamento global”, comenta o físico Roberto Kraenkel, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que trabalha com modelos matemáticos ligados à ecologia e à epidemiologia. “O resultado é informativo de quais pontos no Brasil podem precisar de ações mais efetivas dos governos e das autoridades de saúde”, diz o pesquisador da Unesp.
As capitais e regiões com maior probabilidade de desenvolver surtos do coronavírus mais cedo também concentram maior proporção de pessoas mais vulneráveis, com mais de 60 anos, constataram Gomes e seus colaboradores. “Existe uma coincidência entre a maior probabilidade de exposição e a concentração de população de risco”, relata Gomes. 
Essa maior vulnerabilidade, no entanto, não corresponde à maior capacidade de oferecer atendimento de saúde. De acordo com o estudo, os leitos hospitalares comuns e complementares (de cuidados intermediários e de terapia intensiva) estão distribuídos de modo muito heterogêneo. 
A maior parte das capitais sob risco de surto tem uma capacidade intermediária de atendimento. Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) indicam que a oferta média de leitos hospitalares no país é de 22 para cada 10 mil habitantes, bem inferior à dos 36 países mais ricos do mundo, que é de 47 por 10 mil, segundo relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A proporção no Brasil de leitos complementares disponíveis, geralmente necessários para tratar a Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, é ainda mais baixa: 4 por 10 mil. Segundo Gomes, apenas o Distrito Federal se encontra numa situação mais confortável. “A disponibilidade heterogênea de leitos de UTI preocupa porque as capitais com maior probabilidade de contágio a partir de São Paulo eventualmente podem não estar aparelhadas para lidar com a epidemia”, diz Kraenkel. 
Atualmente, Gomes e seus colaboradores começam a analisar os cenários para uma segunda onda de disseminação do vírus, que começaria mais adiante. “Pretendemos avaliar o impacto das medidas de redução de mobilidade sobre a progressão da epidemia”, afirma o pesquisador. “Queremos ter uma ideia de quanto tempo conseguiríamos ganhar com essas ações para que autoridades de saúde possam organizar a estrutura necessária para atender a população da melhor forma possível.”
Artigo científico

quarta-feira, 17 de abril de 2019

As verdades e os mitos sobre a vacina contra a Aids


Primeiro teste em humanos de uma nova técnica acendeu esperanças de que a vacina contra o HIV está próxima. Mas o que dá para esperar, de fato, dela?


Por Ana Carolina Leonardi (Superinteressante)


Fazia tempo que uma notícia sobre HIV não chamava tanto a atenção: uma nova tentativa de criar uma vacina que imunizaria pessoas saudáveis contra a infecção do HIV fez seus primeiros testes com humanos. Os resultado, promissores, foram publicados no periódico Lancet. A Aids voltou a ser manchete, um dia antes da morte de Cazuza completar 28 anos.
Só que a Aids carrega um impacto emocional que poucas outras doenças são capazes de alcançar. E, em assuntos como esse, é difícil separar fatos de especulação – e até exagero.
Então vamos aos poucos: o que é uma vacina contra o HIV, como essa nova vacina foi criada, o que ela já pode fazer, e o que ela, por enquanto, só promete.
Imunizar as pessoas contra o HIV é uma ambição mundial há pelo menos 35 anos. Uma intervenção só que conseguisse prevenir esse mal causaria um impacto tremendo, que nem os avanços incríveis dos tratamentos conseguiram trazer.
Mas até hoje, só 5 – isso mesmo, CINCO – tentativas conseguiram demonstrar potencial a ponto de serem levadas a testes em humanos, em mais de três décadas de pesquisa. Mesmo os testes mais simples e preliminares. A recém-publicada é apenas a quinta candidata.
Das quatro anteriores, nenhuma foi parar na farmácia. Uma quase deu certo. A RV144, testada na Tailândia. Conseguiram provar que ela era segura para ser ingerida por humanos (primeiro passo para uma substância virar remédio). Depois, que ela era útil em imunizar pacientes contra o HIV (segundo passo: mostrar que aquela substância tem efeito).
Eficácia ela até tinha. Pecou na eficiência. Protegia as pessoas? Sim. Mas não todas. 31% das “cobaias” expostas ao vírus ficavam de fato imunes. 3 em cada 10. Era longe de ser o suficiente. Descartaram o projeto.
A nova vacina vai ser diferente?
Bem, a verdade é que ainda não dá para saber. Porque a nova vacina ainda está em uma etapa anterior à da Tailândia. Mas, por enquanto, ela conseguiu cumprir todos os requisitos de uma vacina de verdade.
E quais são esses requisitos?
Uma vacina clássica (como a da gripe, que você pode tomar todo ano) ensina seu corpo a produzir uma resposta imunológica específica à uma doença, sem ter que passar por ela. É como uma simulação de incêndio: você repete o protocolo em uma situação de mentira até saber executá-lo com perfeição caso seja exposto a um incêndio de verdade.
Se tudo dá certo, você não chega a contrair a doença em si. Esse é o objetivo com a vacina do HIV: criar uma resposta imunológica para que qualquer contato com o vírus acabe antes de uma infecção se instalar.
Geralmente, isso é feito com pedaços ou versões mais fracas do vírus que se quer combater. Só que o HIV é um vírus absurdamente diverso e esperto. Por causa disso, os cientistas criaram o chamado “mosaico”: um quebra-cabeças onde cada peça é um pedacinho de HIV diferente. E esse mosaico fica dentro de um vírus de resfriado (o Ad26), modificado para não ser capaz de se replicar e se espalhar. O título técnico dessa estrutura toda é Ad26.Mos.HIV – tão feio que parece nome de arquivo pirata baixado por torrent.
Os cientistas injetaram 400 pessoas saudáveis, entre 18 e 50 anos, com oito versões diferentes do mosaico. Várias vezes: a maioria recebeu 4 injeções em um período de 48 semanas (ou um ano, se você nunca engravidou). Cada injeção estimulava um pouquinho mais o sistema imunológico. E cada mosaico gerava respostas imunológicas para vários tipos de HIV de uma vez.
Quais os pontos fortes da nova vacina?
Até aqui, o negócio deu muito certo: os oito tipos de mosaico produziram uma resposta imunológica bem positiva se comparados ao placebo. Ou seja, o corpo daquelas pessoas ficou ótimo e muito rápido em identificar e reagir ao HIV.
Mas tudo isso segundo exames ex vivo – ou seja, em tubinhos de laboratório. Ninguém saiu expondo essas pessoas a HIV só para ver o que acontecia. Eles verificavam num exame de sangue se existia reação imunológica – é o que se faz tradicionalmente, num hemograma, para saber se uma vacina “pegou” ou se é preciso repetir.
Lembra do primeiro passo para criar um remédio? Primeiro era preciso saber se as pessoas não passavam mal com a candidata à vacina. Deu certo: só cinco participantes relataram efeitos colaterais como náusea ou diarreia. Toleráveis.
Mas os cientistas ainda estavam com oito mosaicos diferentes na mão. Sabiam que todos funcionavam, mas não sabiam qual funcionava melhor. E ainda não sabem.
As etapas acima são chamadas de “Fase 1” e “Fase 2” no desenvolvimento de um remédio – e o foco é, principalmente, em segurança e eficácia. Falta a parte mais crucial (e mais cara). A Fase 3: verificar em milhares de pessoas se o remédio realmente cumpre o que promete. Se impede as pessoas de contraírem o HIV em situações reais. E com que frequência ele faz isso.
Mais algum motivo para ficar animado?
Falei que, até agora, ninguém saiu expondo pessoas ao vírus, certo? Pessoas não, mas macacos sim. Existe uma mistura do HIV com o SIV (o vírus da imunodeficiência símia, dos macacos), criado para testar remédios contra a AIDS em macacos. Tem o nome criativíssimo de SHIV.
Os mesmos cientistas aplicaram a nova vacina em 72 macacos rhesus saudável. E depois fizeram algo chamado “desafio viral intraretal”. Isso mesmo: injetaram SHIV pela mucosa do reto dos bichos para testar a vacina que eles tinham criado.
De todo esse método bizarro (mas comum nesse tipo de teste), saiu uma boa notícia. 67% dos macacos ficou imune ao vírus. Uma eficiência bastante promissora.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018



Pela primeira vez, cientistas fazem planta brilhar ao ser atacada.


O alarme de emergência das plantas é semelhante ao nosso



Paradas, imóveis, discretas. Como animais prepotentes que somos, tendemos a, naturalmente, menosprezar nossas colegas com folhas. Mas um novo estudo da Universidade de Wisconsin-Madison, EUA, em parceria com a Agência de Ciência e Tecnologia do Japão, mostrou, de forma inédita, o complexo sistema de defesa dentro das plantas por meio de substâncias fluorescentes.
O mecanismo ocorre nos vasos internos da planta quando ela está sob ataque, como a mordida de uma lagarta. O processo demora, no máximo, 120 segundos.
O sistema de alarme de emergência das plantas é algo conhecido, mas essa é a primeira vez que o ser humano consegue ver como isso acontece. Até porque conhecer não significa entender. E os cientistas ainda não entendiam muito bem como essa sinalização ocorria tão rápido.
Eles tinham uma suspeita: o cálcio. Para o ser humano, o cálcio (mais precisamente os íons cálcio, que é a forma mais estável dos átomo desse mineral) não só forma dentes e ossos, mas também exerce uma importante função na coagulação, contração muscular, regulação de batimentos cardíacos e atuação de enzimas. Por exemplo: quando nossos neurônios disparam mensagens químicas de alerta, os íons cálcio captam esse aviso e causam a contração dos músculos do coração, fazendo com que ele bata mais rápido. Isso é o seu corpo assumindo funções de alerta, para que você possa reagir quando algo lhe ameaça.
Mas, lógico, as plantas não podem fugir como nós. E nem tem neurônios. Mas os cientistas já sabiam que os íons cálcio desempenham funções sinalizadoras nelas. Principalmente em respostas a qualquer tipo de alteração das condições normais. Foi então que os pesquisadores decidiram visualizar a ação do cálcio em tempo real. Para isso, usaram bioengenharia e produziram uma proteína que fluoresce quando está em torno do cálcio, iluminando o interior das plantas como uma árvore de Natal ou um vagalume.
Usando microscópios e biossensores avançados, os pesquisadores puderam rastrear a presença e o volume do cálcio em resposta a várias lesões, de ações de lagartas a cortes de tesoura. O resultado você pode ver nestes fascinantes vídeos (e gifs!):






segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Ameaças aos Macacos


Cerca de 60% das espécies de primatas podem desaparecer até o fim do século, segundo estudo


Cerca de 60% das espécies de primatas do mundo, incluindo chimpanzés e orangotangos, correm risco de extinção devido à redução de hábitat causada pela expansão das fronteiras agrícolas e, em menor escala, pela exploração madeireira e em razão da caça de animais silvestres. Caso nada seja feito nas próximas décadas pelos governos locais e órgãos internacionais, esses primatas, que, em alguns casos, já apresentam declínio populacional significativo, podem desaparecer até o fim deste século. O alerta consta de um estudo desenvolvido por um grupo internacional de 72 especialistas em primatas, entre eles pesquisadores de várias instituições do Brasil.
Os quatro países em situação mais delicada são justamente os que concentram o maior número de espécies. Indonésia, Madagascar, República Democrática do Congo (RDC) e Brasil abrigam dois terços das 439 espécies de macacos conhecidas no mundo, de acordo com um levantamento publicado em junho na revista PeerJ. O Brasil tem 102 espécies de primatas, 39% delas está ameaçada de extinção.
No estudo, os pesquisadores analisaram dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) sobre o status de conservação das espécies de primatas no mundo e do Global Forest Watch, que acompanha a expansão ou retração das florestas. Também usaram informações do Fundo das Nações Unidas para agricultura e alimentação (FAO) sobre a dinâmica de expansão das fronteiras agrícolas e da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e da Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites).
A expansão das fronteiras agrícolas é a principal ameaça à conservação desses animais em todos os países analisados. De 1990 a 2010, cerca 1,5 milhão de quilômetros quadrados das áreas de ocorrência de macacos foram destinadas à agricultura, colocando em risco muitas espécies no Brasil e na Indonésia. Nas últimas duas décadas, esses países perderam 46,4 milhões e 23 milhões de hectares (ha) de cobertura florestal, respectivamente. No mesmo período, a República Democrática do Congo registrou perda de cerca de 10 milhões de ha de área florestal. Em Madagascar esse número foi de 2,7 milhões de ha.
Um dos efeitos do desmatamento, segundo os pesquisadores, é a transformação de áreas contínuas de mata em trechos isolados uns dos outros. Esse efeito, chamado fragmentação, está obstruindo as rotas de dispersão usadas pelos zogue-zogues (Callicebus spp.) para migrar de um lugar para outro nas florestas no sul do estado de Rondônia, por exemplo.
“Os primatas mantêm uma ampla e complexa rede de interações ecológicas nas florestas tropicais, atuando na dispersão de sementes de árvores grandes, predando alguns animais e servindo de presa para outros”, explica o biólogo Júlio César Bicca-Marques, da Escola de Ciências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “A redução das populações desses animais desestruturaria os sistemas ecológicos que garantem o equilíbrio dos ecossistemas que habitam, com impactos no processo de regeneração das florestas”, ressalta o pesquisador, um dos autores do estudo publicado na PeerJ.

Com base nos dados levantados, os pesquisadores desenvolveram um modelo computacional capaz de gerar projeções sobre a expansão das fronteiras agrícolas até o final deste século nos quatro países, e o impacto que isso teria sobre as espécies de primatas nessas regiões. O cenário mais pessimista, baseado no atual ritmo de degradação ambiental experimentado por eles, estima que os hábitats dos primatas encolherão 78% no Brasil, 72% na Indonésia, 62% em Madagascar e 32% na República Democrática do Congo até 2100.  Segundo o estudo, o Brasil tem mais a perder do que os outros países porque o agronegócio aqui é bem mais forte e de caráter mais expansionista do que nos outros países analisados.
Para o médico veterinário Danilo Simonini Teixeira, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), os dados apresentados no estudo são pertinentes e plausíveis. “As projeções baseiam-se em dados de projetos desenvolvidos há mais de 20 anos nos países avaliados, de modo que as estimativas têm embasamento e são confiáveis”, destaca o pesquisador, que não participou do estudo na PeerJ.
Diversidade ameaçada
A situação dos primatas é particularmente preocupante em Madagascar e na Indonésia, onde vivem 148 das 439 espécies de primatas do mundo. Cerca de 90% delas estão em rápido declínio populacional. Em Madagascar, a expansão dos campos ilegais de mineração de cobalto, níquel e ouro nas florestas, inclusive em áreas de proteção ambiental, põe em risco primatas como o lêmure-de-cauda-anelada (Lemur catta), reconhecíveis pela cauda listrada de preto e branco e olhos esbugalhados em tons alaranjados. Em Kalimantan, Indonésia, o garimpo de ouro ameaça os macacos-narigudos (Nasalis larvatus) e o taciturno gibão-cinza (Hylobates muelleri). “Muitos primatas são capturados e vendidos nas cidades como animais de estimação, para uso na medicina tradicional ou com fins místicos”, comenta Bicca-Marques.





Outro inimigo dos primatas é a caça comercial ou de subsistência, que se expandiu nos últimos anos por conta do crescimento urbano próximo aos seus hábitats. Estima-se que 85% das espécies de macacos sejam caçadas na Indonésia, 64% em Madagascar, 51% na República Democrática do Congo e 35% no Brasil. É o caso dos macacos-aranha (Ateles geoffroyi), frequentemente abatidos na Amazônia. Na Mata Atlântica, os principais alvos são os macacos-prego-do-peito-amarelo (Sapajus xanthosternos) e o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides). Na República Democrática do Congo, a caça está dizimando os gorilas (Gorilla gorilla) e os bonobos (Pan paniscus).
“A caça é uma prática com fortes raízes culturais e mais difícil de fiscalizar do que o desmatamento”, afirma o bioantropólogo Mauricio Talebi, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Diadema, e um dos autores do estudo. Ele explica que a caça reduz o potencial de reposição das populações de macacos de ciclo reprodutivo lento. “O tempo para que as fêmeas de algumas espécies atinjam o período fértil pode ser de até 15 anos”, ressalta.
A contaminação por doenças infecciosas também favorece o declínio de algumas espécies de primatas. Entre outubro de 2002 e janeiro de 2004, surtos de ebola mataram mais de 90% dos gorilas e quase 80% dos chimpanzés do Santuário de Fauna Lossi, na República Democrática do Congo. No Brasil, de acordo com Talebi, desde 2016 o surto de febre amarela que se abateu no Sudeste do país dizimou milhares de macacos, incluindo espécies ameaçadas, como o macaco-sauá (Callicebus personatus) e o bugio-ruivo (Alouatta guariba mitans).
Em Kalimantan, na Indonésia, o garimpo de ouro é a principal ameaça ao macaco-narigudo
Somente o ecólogo Márcio Port Carvalho, do Instituto Florestal de São Paulo, em fins de dezembro de 2017 recolheu 65 bugios-ruivos mortos pelo vírus da febre amarela no Horto Florestal, na zona norte da capital paulista (ver Pesquisa FAPESP nº 263). “O risco de transmissão de doenças é preocupante no caso dos primatas que vivem perto de regiões densamente habitadas”, explica Talebi. Na Indonésia, muitos macacos-de-cauda-longa (Macaca fascicularis) estão morrendo por sarampo e rubéola.
Teixeira também lembra que o surto de febre amarela no Rio Grande do Sul entre 2008 e 2009 dizimou mais de 2 mil bugios-ruivos e bugios-pretos (Alouatta caraya). “A epidemia de 2016 e 2017 foi mais preocupante”, diz Teixeira. “Depois de décadas sem ter sido identificado na Mata Atlântica, o vírus da doença chegou nessa região e colocou em risco algumas espécies de macacos já ameaçadas por outros fatores.” Para o médico veterinário, presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia entre 2016 e 2017, é fundamental investir em pesquisas e no aprimoramento dos serviços de vigilância em saúde, por meio da expansão dos laboratórios de diagnóstico, para mitigar o impacto do vírus nas populações de primatas no Brasil.
“As doenças infecciosas representam enorme desafio à conservação dos macacos no mundo”, destaca o primatólogo Paulo Henrique Gomes Castro, do Centro Nacional de Primatas, em Belém. “Essas populações são extremamente vulneráveis aos vírus e suas possíveis mutações. Mesmo que consigamos desenvolver uma vacina apropriada para eles, as dificuldades de imunização das populações silvestres seria um desafio”, destaca o pesquisador, que também não participou do estudo na PeerJ.
Ações articuladas
Diante disso, os autores do estudo defendem uma articulação entre diferentes setores sociais, de legisladores nacionais e internacionais a organizações não governamentais e a sociedade civil, em prol da conservação dos primatas. “A criação de áreas de proteção ambiental constitui a principal ferramenta de conservação”, argumenta Talebi. Hoje, apenas 17% das áreas de ocorrência de primatas na Indonésia e 14% na República Democrática do Congo estão dentro dos limites das áreas de proteção ambiental — no Brasil e em Madagascar esse número sobe para 38%.

Na Indonésia, um grupo de 25 pesquisadores ambientais, membros da Alliance of Leading Environmental Researchers and Thinkers (Alert), já se articula nesse sentido. Em julho, eles enviaram uma carta ao presidente daquele país pedindo a suspensão dos planos de construção de uma usina hidrelétrica no norte da ilha de Sumatra sob o argumento de que o projeto, de custo estimado de US$ 1,6 bilhão, destruirá a floresta Batang Toru, hábitat do raro orangotango-de-tapanuli (Pongo tapanuliensis).

sábado, 19 de maio de 2018

Origem da vida: se, no início, tudo era RNA, como ele se reproduzia?

Cientistas descobrem um jeito de fazer aglomerados de moléculas de RNA (os ribossomos) criarem cópias de si mesmos – e esse pode ter sido um dos primeiros passos da vida na Terra

Por Bruno Vaiano

Superinteressante - Maio, 2018


Você está vivo. Parabéns. É um fato digno de nota. Não só porque você foi um espermatozoide vitorioso em meio aos incontáveis outros que tentaram, sem sucesso, alcançar o óvulo. Mas porque o próprio fato de que a vida surgiu na Terra é ridiculamente improvável.
Os bloquinhos essenciais da vida, as proteínas, são imensas cadeias de bloquinhos menores, compostos químicos chamados aminoácidos (há, ao todo, 22 deles, dos quais 20 bastam para a maior parte dos seres vivos). Uma proteína razoavelmente longa, como o colágeno, contém 1055 aminoácidos. Eles precisam aparecer em uma ordem exata. Qualquer erro na sequência é fatal.
Qual é a chance de uma proteína complexa desse jeito se formar espontaneamente na natureza? Para todos os efeitos, zero. São 1055 posições, cada uma com 20 possíveis ocupantes. A chance de você ganhar três vezes seguidas na Mega-Sena da Virada é bem, bem maior. Mas é óbvio que nem o colágeno nem as outras milhares de proteínas necessárias para seu corpo funcionar são produzidos do nada, em um golpe de sorte. Os seres vivos vêm de fábrica com um manual de instruções, chamado DNA, que contém o passo a passo para produzir tudo que você precisa.
“Legal”, você dirá, “então, quando surgiu a vida, primeiro apareceu o DNA, e o resto veio por tabela?” Bem, não. Acontece que o DNA guarda informação e só. Ele é péssimo em fazer todo o resto. É só um pen drive. O que torna tudo possível é o que vem no meio: RNA. O RNA, você deve se lembrar de seus tempos de escola, é a molécula que coleta informações presentes no DNA e as transforma em proteínas. É o elo entre a entidade que guarda o código da vida e a que de fato põe a vida para funcionar.
Um dos critérios para definir uma entidade viva é que ela seja capaz de se reproduzir. De criar cópias de si mesma. O que faz uma pedra pertencer ao reino das coisas minerais é que a dita cuja não pode, em hipótese alguma, ter filhotes. O momento em que a vida surgiu na Terra, há pouco mais de 4 bilhões de anos, foi o momento em que, pela primeira vez, uma molécula conseguiu criar uma cópia de si própria.

O problema é que nem o DNA nem as proteínas são bons nessa coisa de espalhar cópias por aí. Um contém informação, mas não age. O outro age, mas não contém informação. O RNA, por outro lado, faz um pouco de cada coisa. Ele tem bases nitrogenadas que armazenam dados (C, G, A e U), mas também é capaz de se enrolar de forma parecida com uma enzima (ou seja, uma proteína) – os famosos ribossomos.

Por causa dessas e outras, a hipótese de que a vida na Terra tenha começado com RNA é popular – tem até um artigo na Wikipedia. Mas não é perfeita: quando cientistas tentam fazer uma molécula de RNA se reproduzir em laboratório, tropeçam em um empecilho. De maneira bem simplificada, os ribossomos só conseguem criar cópias de moléculas de RNA retas. Se elas estivessem dobradas, não dá. Acontece que um ribossomo é justamente RNA dobrado. Em outras palavras, não dava para o ribossomo se reproduzir. Ele não conseguia fazer uma cópia de si próprio.  

Agora, um passo promissor foi dado. Em um artigo científico publicado hoje, pesquisadores do laboratório de biologia molecular MRC, no Reino Unido, revelaram um jeito de fazer um RNA já dobrado, em forma de enzima, criar cópias de si próprio. O truque foi fazer o RNA sintetizar novas moléculas copiando três bases nitrogenadas de cada vez, em vez de uma só (“AUG” em vez de “A”, “U” e “G”, um de cada vez). Como três bases são mais estáveis que uma só, o processo corre sem percalços.

Isso não ocorre na natureza hoje em dia, mas nada garante que não tenha ocorrido há 4 bilhões de anos. Apesar dos resultados promissores, ainda é preciso calma: embora esse processo seja um forte candidato a explicar o mundo RNA, o modelo precisa ser aperfeiçoado.

“Nosso ribossomo ainda precisa de muita ajuda para se replicar”, explicou em comunicado Philipp Holliger, líder da pesquisa. “Além disso, o sistema é puro. O próximo passo é integrá-lo a um substrato mais complexo, que imite a sopa primordial [as condições químicas da Terra no começo de sua existência]. Provavelmente o ambiente era rico do ponto de vista químico, contendo lipídios e peptídeos simples que poderiam ter interagido com o RNA.”

Ainda há um longo caminho pela frente se quisermos explicar a origem da vida. Mas a resposta, ao que tudo indica, mora na molécula que mais te ferrou nas provas do ensino médio. Viva o RNA.