quinta-feira, 20 de setembro de 2018



Pela primeira vez, cientistas fazem planta brilhar ao ser atacada.


O alarme de emergência das plantas é semelhante ao nosso



Paradas, imóveis, discretas. Como animais prepotentes que somos, tendemos a, naturalmente, menosprezar nossas colegas com folhas. Mas um novo estudo da Universidade de Wisconsin-Madison, EUA, em parceria com a Agência de Ciência e Tecnologia do Japão, mostrou, de forma inédita, o complexo sistema de defesa dentro das plantas por meio de substâncias fluorescentes.
O mecanismo ocorre nos vasos internos da planta quando ela está sob ataque, como a mordida de uma lagarta. O processo demora, no máximo, 120 segundos.
O sistema de alarme de emergência das plantas é algo conhecido, mas essa é a primeira vez que o ser humano consegue ver como isso acontece. Até porque conhecer não significa entender. E os cientistas ainda não entendiam muito bem como essa sinalização ocorria tão rápido.
Eles tinham uma suspeita: o cálcio. Para o ser humano, o cálcio (mais precisamente os íons cálcio, que é a forma mais estável dos átomo desse mineral) não só forma dentes e ossos, mas também exerce uma importante função na coagulação, contração muscular, regulação de batimentos cardíacos e atuação de enzimas. Por exemplo: quando nossos neurônios disparam mensagens químicas de alerta, os íons cálcio captam esse aviso e causam a contração dos músculos do coração, fazendo com que ele bata mais rápido. Isso é o seu corpo assumindo funções de alerta, para que você possa reagir quando algo lhe ameaça.
Mas, lógico, as plantas não podem fugir como nós. E nem tem neurônios. Mas os cientistas já sabiam que os íons cálcio desempenham funções sinalizadoras nelas. Principalmente em respostas a qualquer tipo de alteração das condições normais. Foi então que os pesquisadores decidiram visualizar a ação do cálcio em tempo real. Para isso, usaram bioengenharia e produziram uma proteína que fluoresce quando está em torno do cálcio, iluminando o interior das plantas como uma árvore de Natal ou um vagalume.
Usando microscópios e biossensores avançados, os pesquisadores puderam rastrear a presença e o volume do cálcio em resposta a várias lesões, de ações de lagartas a cortes de tesoura. O resultado você pode ver nestes fascinantes vídeos (e gifs!):






segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Ameaças aos Macacos


Cerca de 60% das espécies de primatas podem desaparecer até o fim do século, segundo estudo


Cerca de 60% das espécies de primatas do mundo, incluindo chimpanzés e orangotangos, correm risco de extinção devido à redução de hábitat causada pela expansão das fronteiras agrícolas e, em menor escala, pela exploração madeireira e em razão da caça de animais silvestres. Caso nada seja feito nas próximas décadas pelos governos locais e órgãos internacionais, esses primatas, que, em alguns casos, já apresentam declínio populacional significativo, podem desaparecer até o fim deste século. O alerta consta de um estudo desenvolvido por um grupo internacional de 72 especialistas em primatas, entre eles pesquisadores de várias instituições do Brasil.
Os quatro países em situação mais delicada são justamente os que concentram o maior número de espécies. Indonésia, Madagascar, República Democrática do Congo (RDC) e Brasil abrigam dois terços das 439 espécies de macacos conhecidas no mundo, de acordo com um levantamento publicado em junho na revista PeerJ. O Brasil tem 102 espécies de primatas, 39% delas está ameaçada de extinção.
No estudo, os pesquisadores analisaram dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) sobre o status de conservação das espécies de primatas no mundo e do Global Forest Watch, que acompanha a expansão ou retração das florestas. Também usaram informações do Fundo das Nações Unidas para agricultura e alimentação (FAO) sobre a dinâmica de expansão das fronteiras agrícolas e da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e da Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites).
A expansão das fronteiras agrícolas é a principal ameaça à conservação desses animais em todos os países analisados. De 1990 a 2010, cerca 1,5 milhão de quilômetros quadrados das áreas de ocorrência de macacos foram destinadas à agricultura, colocando em risco muitas espécies no Brasil e na Indonésia. Nas últimas duas décadas, esses países perderam 46,4 milhões e 23 milhões de hectares (ha) de cobertura florestal, respectivamente. No mesmo período, a República Democrática do Congo registrou perda de cerca de 10 milhões de ha de área florestal. Em Madagascar esse número foi de 2,7 milhões de ha.
Um dos efeitos do desmatamento, segundo os pesquisadores, é a transformação de áreas contínuas de mata em trechos isolados uns dos outros. Esse efeito, chamado fragmentação, está obstruindo as rotas de dispersão usadas pelos zogue-zogues (Callicebus spp.) para migrar de um lugar para outro nas florestas no sul do estado de Rondônia, por exemplo.
“Os primatas mantêm uma ampla e complexa rede de interações ecológicas nas florestas tropicais, atuando na dispersão de sementes de árvores grandes, predando alguns animais e servindo de presa para outros”, explica o biólogo Júlio César Bicca-Marques, da Escola de Ciências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “A redução das populações desses animais desestruturaria os sistemas ecológicos que garantem o equilíbrio dos ecossistemas que habitam, com impactos no processo de regeneração das florestas”, ressalta o pesquisador, um dos autores do estudo publicado na PeerJ.

Com base nos dados levantados, os pesquisadores desenvolveram um modelo computacional capaz de gerar projeções sobre a expansão das fronteiras agrícolas até o final deste século nos quatro países, e o impacto que isso teria sobre as espécies de primatas nessas regiões. O cenário mais pessimista, baseado no atual ritmo de degradação ambiental experimentado por eles, estima que os hábitats dos primatas encolherão 78% no Brasil, 72% na Indonésia, 62% em Madagascar e 32% na República Democrática do Congo até 2100.  Segundo o estudo, o Brasil tem mais a perder do que os outros países porque o agronegócio aqui é bem mais forte e de caráter mais expansionista do que nos outros países analisados.
Para o médico veterinário Danilo Simonini Teixeira, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), os dados apresentados no estudo são pertinentes e plausíveis. “As projeções baseiam-se em dados de projetos desenvolvidos há mais de 20 anos nos países avaliados, de modo que as estimativas têm embasamento e são confiáveis”, destaca o pesquisador, que não participou do estudo na PeerJ.
Diversidade ameaçada
A situação dos primatas é particularmente preocupante em Madagascar e na Indonésia, onde vivem 148 das 439 espécies de primatas do mundo. Cerca de 90% delas estão em rápido declínio populacional. Em Madagascar, a expansão dos campos ilegais de mineração de cobalto, níquel e ouro nas florestas, inclusive em áreas de proteção ambiental, põe em risco primatas como o lêmure-de-cauda-anelada (Lemur catta), reconhecíveis pela cauda listrada de preto e branco e olhos esbugalhados em tons alaranjados. Em Kalimantan, Indonésia, o garimpo de ouro ameaça os macacos-narigudos (Nasalis larvatus) e o taciturno gibão-cinza (Hylobates muelleri). “Muitos primatas são capturados e vendidos nas cidades como animais de estimação, para uso na medicina tradicional ou com fins místicos”, comenta Bicca-Marques.





Outro inimigo dos primatas é a caça comercial ou de subsistência, que se expandiu nos últimos anos por conta do crescimento urbano próximo aos seus hábitats. Estima-se que 85% das espécies de macacos sejam caçadas na Indonésia, 64% em Madagascar, 51% na República Democrática do Congo e 35% no Brasil. É o caso dos macacos-aranha (Ateles geoffroyi), frequentemente abatidos na Amazônia. Na Mata Atlântica, os principais alvos são os macacos-prego-do-peito-amarelo (Sapajus xanthosternos) e o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides). Na República Democrática do Congo, a caça está dizimando os gorilas (Gorilla gorilla) e os bonobos (Pan paniscus).
“A caça é uma prática com fortes raízes culturais e mais difícil de fiscalizar do que o desmatamento”, afirma o bioantropólogo Mauricio Talebi, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Diadema, e um dos autores do estudo. Ele explica que a caça reduz o potencial de reposição das populações de macacos de ciclo reprodutivo lento. “O tempo para que as fêmeas de algumas espécies atinjam o período fértil pode ser de até 15 anos”, ressalta.
A contaminação por doenças infecciosas também favorece o declínio de algumas espécies de primatas. Entre outubro de 2002 e janeiro de 2004, surtos de ebola mataram mais de 90% dos gorilas e quase 80% dos chimpanzés do Santuário de Fauna Lossi, na República Democrática do Congo. No Brasil, de acordo com Talebi, desde 2016 o surto de febre amarela que se abateu no Sudeste do país dizimou milhares de macacos, incluindo espécies ameaçadas, como o macaco-sauá (Callicebus personatus) e o bugio-ruivo (Alouatta guariba mitans).
Em Kalimantan, na Indonésia, o garimpo de ouro é a principal ameaça ao macaco-narigudo
Somente o ecólogo Márcio Port Carvalho, do Instituto Florestal de São Paulo, em fins de dezembro de 2017 recolheu 65 bugios-ruivos mortos pelo vírus da febre amarela no Horto Florestal, na zona norte da capital paulista (ver Pesquisa FAPESP nº 263). “O risco de transmissão de doenças é preocupante no caso dos primatas que vivem perto de regiões densamente habitadas”, explica Talebi. Na Indonésia, muitos macacos-de-cauda-longa (Macaca fascicularis) estão morrendo por sarampo e rubéola.
Teixeira também lembra que o surto de febre amarela no Rio Grande do Sul entre 2008 e 2009 dizimou mais de 2 mil bugios-ruivos e bugios-pretos (Alouatta caraya). “A epidemia de 2016 e 2017 foi mais preocupante”, diz Teixeira. “Depois de décadas sem ter sido identificado na Mata Atlântica, o vírus da doença chegou nessa região e colocou em risco algumas espécies de macacos já ameaçadas por outros fatores.” Para o médico veterinário, presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia entre 2016 e 2017, é fundamental investir em pesquisas e no aprimoramento dos serviços de vigilância em saúde, por meio da expansão dos laboratórios de diagnóstico, para mitigar o impacto do vírus nas populações de primatas no Brasil.
“As doenças infecciosas representam enorme desafio à conservação dos macacos no mundo”, destaca o primatólogo Paulo Henrique Gomes Castro, do Centro Nacional de Primatas, em Belém. “Essas populações são extremamente vulneráveis aos vírus e suas possíveis mutações. Mesmo que consigamos desenvolver uma vacina apropriada para eles, as dificuldades de imunização das populações silvestres seria um desafio”, destaca o pesquisador, que também não participou do estudo na PeerJ.
Ações articuladas
Diante disso, os autores do estudo defendem uma articulação entre diferentes setores sociais, de legisladores nacionais e internacionais a organizações não governamentais e a sociedade civil, em prol da conservação dos primatas. “A criação de áreas de proteção ambiental constitui a principal ferramenta de conservação”, argumenta Talebi. Hoje, apenas 17% das áreas de ocorrência de primatas na Indonésia e 14% na República Democrática do Congo estão dentro dos limites das áreas de proteção ambiental — no Brasil e em Madagascar esse número sobe para 38%.

Na Indonésia, um grupo de 25 pesquisadores ambientais, membros da Alliance of Leading Environmental Researchers and Thinkers (Alert), já se articula nesse sentido. Em julho, eles enviaram uma carta ao presidente daquele país pedindo a suspensão dos planos de construção de uma usina hidrelétrica no norte da ilha de Sumatra sob o argumento de que o projeto, de custo estimado de US$ 1,6 bilhão, destruirá a floresta Batang Toru, hábitat do raro orangotango-de-tapanuli (Pongo tapanuliensis).

sábado, 19 de maio de 2018

Origem da vida: se, no início, tudo era RNA, como ele se reproduzia?

Cientistas descobrem um jeito de fazer aglomerados de moléculas de RNA (os ribossomos) criarem cópias de si mesmos – e esse pode ter sido um dos primeiros passos da vida na Terra

Por Bruno Vaiano

Superinteressante - Maio, 2018


Você está vivo. Parabéns. É um fato digno de nota. Não só porque você foi um espermatozoide vitorioso em meio aos incontáveis outros que tentaram, sem sucesso, alcançar o óvulo. Mas porque o próprio fato de que a vida surgiu na Terra é ridiculamente improvável.
Os bloquinhos essenciais da vida, as proteínas, são imensas cadeias de bloquinhos menores, compostos químicos chamados aminoácidos (há, ao todo, 22 deles, dos quais 20 bastam para a maior parte dos seres vivos). Uma proteína razoavelmente longa, como o colágeno, contém 1055 aminoácidos. Eles precisam aparecer em uma ordem exata. Qualquer erro na sequência é fatal.
Qual é a chance de uma proteína complexa desse jeito se formar espontaneamente na natureza? Para todos os efeitos, zero. São 1055 posições, cada uma com 20 possíveis ocupantes. A chance de você ganhar três vezes seguidas na Mega-Sena da Virada é bem, bem maior. Mas é óbvio que nem o colágeno nem as outras milhares de proteínas necessárias para seu corpo funcionar são produzidos do nada, em um golpe de sorte. Os seres vivos vêm de fábrica com um manual de instruções, chamado DNA, que contém o passo a passo para produzir tudo que você precisa.
“Legal”, você dirá, “então, quando surgiu a vida, primeiro apareceu o DNA, e o resto veio por tabela?” Bem, não. Acontece que o DNA guarda informação e só. Ele é péssimo em fazer todo o resto. É só um pen drive. O que torna tudo possível é o que vem no meio: RNA. O RNA, você deve se lembrar de seus tempos de escola, é a molécula que coleta informações presentes no DNA e as transforma em proteínas. É o elo entre a entidade que guarda o código da vida e a que de fato põe a vida para funcionar.
Um dos critérios para definir uma entidade viva é que ela seja capaz de se reproduzir. De criar cópias de si mesma. O que faz uma pedra pertencer ao reino das coisas minerais é que a dita cuja não pode, em hipótese alguma, ter filhotes. O momento em que a vida surgiu na Terra, há pouco mais de 4 bilhões de anos, foi o momento em que, pela primeira vez, uma molécula conseguiu criar uma cópia de si própria.

O problema é que nem o DNA nem as proteínas são bons nessa coisa de espalhar cópias por aí. Um contém informação, mas não age. O outro age, mas não contém informação. O RNA, por outro lado, faz um pouco de cada coisa. Ele tem bases nitrogenadas que armazenam dados (C, G, A e U), mas também é capaz de se enrolar de forma parecida com uma enzima (ou seja, uma proteína) – os famosos ribossomos.

Por causa dessas e outras, a hipótese de que a vida na Terra tenha começado com RNA é popular – tem até um artigo na Wikipedia. Mas não é perfeita: quando cientistas tentam fazer uma molécula de RNA se reproduzir em laboratório, tropeçam em um empecilho. De maneira bem simplificada, os ribossomos só conseguem criar cópias de moléculas de RNA retas. Se elas estivessem dobradas, não dá. Acontece que um ribossomo é justamente RNA dobrado. Em outras palavras, não dava para o ribossomo se reproduzir. Ele não conseguia fazer uma cópia de si próprio.  

Agora, um passo promissor foi dado. Em um artigo científico publicado hoje, pesquisadores do laboratório de biologia molecular MRC, no Reino Unido, revelaram um jeito de fazer um RNA já dobrado, em forma de enzima, criar cópias de si próprio. O truque foi fazer o RNA sintetizar novas moléculas copiando três bases nitrogenadas de cada vez, em vez de uma só (“AUG” em vez de “A”, “U” e “G”, um de cada vez). Como três bases são mais estáveis que uma só, o processo corre sem percalços.

Isso não ocorre na natureza hoje em dia, mas nada garante que não tenha ocorrido há 4 bilhões de anos. Apesar dos resultados promissores, ainda é preciso calma: embora esse processo seja um forte candidato a explicar o mundo RNA, o modelo precisa ser aperfeiçoado.

“Nosso ribossomo ainda precisa de muita ajuda para se replicar”, explicou em comunicado Philipp Holliger, líder da pesquisa. “Além disso, o sistema é puro. O próximo passo é integrá-lo a um substrato mais complexo, que imite a sopa primordial [as condições químicas da Terra no começo de sua existência]. Provavelmente o ambiente era rico do ponto de vista químico, contendo lipídios e peptídeos simples que poderiam ter interagido com o RNA.”

Ainda há um longo caminho pela frente se quisermos explicar a origem da vida. Mas a resposta, ao que tudo indica, mora na molécula que mais te ferrou nas provas do ensino médio. Viva o RNA.

    Pesquisadores identificam origem de fungo assassino de anfíbios


Responsável pela morte de centenas de milhares de sapos no mundo, o Batrachochytrium dendrobatidis originou-se no leste da Ásia há cerca de 100 anos
Um fungo letal, responsável pela morte de milhares de sapos no mundo, originou-se no leste da Ásia há cerca de 100 anos. A conclusão é de um grupo internacional de pesquisadores, entre eles o zoólogo brasileiro Luís Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp). Em um estudo que foi capa da edição da última semana da revista Science, eles coletaram, sequenciaram e analisaram centenas de linhagens espalhadas pelo mundo do fungo Batrachochytrium dendrobatidis, principal causador de uma doença infecciosa chamada quitridiomicose, uma das piores doenças da vida selvagem.
A rã-de-vidro (Vitreorana eurygnatha) encontra-se ameaçada
de extinção devido à ação do fungo 
Batrachochytrium dendrobatidis
Batrachochytrium dendrobatidis, ou Bd, aloja-se na pele dos anfíbios, altera o equilíbrio de eletrólitos dos músculos, interferindo em sua troca gasosa com o ambiente e levando algumas espécies a morrer de colapso cardíaco. Nas últimas três décadas, o Bd matou tantos sapos na Austrália, Europa e nas Américas que alguns pesquisadores chegaram a cogitar uma iminente extinção em massa desses animais — algumas espécies desapareceram ou foram localmente extintas. Apesar dos estragos causados, nunca se soube onde e quando esse fungo surgiu ou como se espalhou pelo mundo.
Ao longo dos últimos 10 anos, um grupo internacional de pesquisadores, coordenado pelo epidemiologista inglês Simon O’Hanlon, do Imperial College de Londres, no Reino Unido, trabalhou na coleta de dados genéticos do Bd em parceria com outras 38 instituições de pesquisa espalhadas pelo mundo. Após reunir todo o material, eles isolaram e sequenciaram o genoma de 234 cepas do Bd e, com isso, conseguiram rastrear a origem do fungo e estimar como e quando ele começou a se disseminar para outras regiões.
A rã-touro (Lithobates catesbeianus) é uma das poucas
 espécies de anfíbios resistente ao 
Bd
Verificaram que o lugar com a maior diversidade de linhagens de Bd foi a Coreia do Sul, o que sugere que o fungo teria surgido primeiro na península coreana e, de lá, se espalhado pelo mundo, provavelmente no início do século XX, e não há 25 mil anos, como sugerido anteriormente. “Até então, várias regiões do mundo tinham sido apontadas como possíveis pontos de origem do fungo”, comenta Toledo, que liderou o laboratório brasileiro responsável por isolar e sequenciar as cepas de duas linhagens do fungo, a Bd-Asia-2/Brazil e a Bd-GPL. A primeira é considerada uma das mais diversas e relacionada à origem do fungo, enquanto a segunda é uma das mais virulentas.
Ele explica que a velocidade com que o fungo se disseminou pelo mundo coincide com a ascensão do comércio global de carne e pele de rã a partir da década de 1930. Essa prática, no entanto, foi abandonada tempos depois diante da falta de interesse pelo consumo desses animais. Segundo ele, o comércio global tornou-se desastroso para os sapos nativos que encontraram o fungo mortal pela primeira vez.
De acordo com Toledo, a concentração de diversidade de fungos na Ásia significa que a região pode ser considerada uma área crítica para o surgimento de outros patógenos, como é o caso do fungo Batrachochytrium salamandrivorans, que infecta as salamandras. “Sabendo a origem do Bd, podemos estudar melhor os genes dos anfíbios daquela região para tentar identificar algum tipo de resistência adquirida, como uma maior taxa de expressão de genes de resistência”, explica o zoólogo.
Há algum tempo se sabe que algumas espécies de sapos são resistentes ao Batrachochytrium dendrobatidis. As rãs-touro (Lithobates catesbeianus) representam a espécie mais citada como exemplo de convivência pacífica com o microrganismo. Essas rãs também ganharam espaço no cardápio de muitos restaurantes do mundo
Perereca-verde-de-olhos-vermelhos (Aplastodiscus caviculus) com Bd na Mata Atlântica

Elas foram trazidas para Brasil em meados da década de 1930, a partir dos Estados Unidos, para criações comerciais destinadas, sobretudo, à produção de carne. A rã-touro ainda é mais encontrada em ranários comerciais, mas já se incorporou ao ambiente local. Hoje é encontrada em muitas regiões do país, alimentando-se de pequenos invertebrados e até mesmo de aves, pequenos mamíferos e outros anfíbios, ajudando a disseminar para demais espécies o fundo ao qual é resistente.
Com base nos resultados obtidos, os pesquisadores agora pretendem concentrar sua análise no leste da Ásia e do Brasil para que possam compreender melhor a origem e evolução do patógeno e os possíveis desdobramentos quanto à virulência das diferentes linhagens. “Já sabemos que existem híbridos no Brasil, mas temos muito poucos dados sobre sua patogenicidade e virulência”, explica Toledo.
“Também pretendemos conversar com as agências nacionais, como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]”, diz. “O objetivo é discutir políticas públicas de contenção da disseminação da quitridiomicose no Brasil.”
Projeto
O fungo quitrídio no Brasil: da sua origem às suas consequências (nº 16/25358-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Luís Felipe de Toledo Ramos Pereira (Unicamp); Investimento R$ 721.055,89 (FAPESP).

Artigo científico
O’HANLON, S. J. et alRecent Asian origin of chytrid fungi causing global amphibian declinesScience v. 360, n. 6389, p. 621-27. 11 mai. 2018.







quarta-feira, 2 de maio de 2018


Boa parte do shoyu produzido no Brasil tem alto teor de milho

Amostras analisadas tinham, em média, menos de 20% de soja em sua composição



Por Rodrigo de Oliveira Andrade - Revista FAPESP| Edição Online 12:14 24 de abril de 2018


No mundo todo, o principal componente do shoyu, condimento fundamental da culinária asiática, é a soja. No Brasil, é diferente. Aqui, muitas empresas substituem, ou trocam, a soja pelo milho. A conclusão é de um grupo de pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ambos da Universidade de São Paulo (USP), que analisou a composição química de 70 amostras de shoyu de marcas comercializadas no país.
Em países como Japão, China e Coreia do Sul, o molho shoyu é feito de soja com proporções pequenas de outros cereais como trigo ou cevada. “O que a indústria brasileira oferece ao consumidor não é shoyu propriamente dito, é um molho escuro e salgado elaborado a partir de milho, que deveria ter outro nome”, destaca a bióloga Maristela Morais, uma das coordenadoras do grupo, ao lado do engenheiro agrônomo Luiz Antonio Martinelli. Ambos são do Cena-USP.
Para identificar os ingredientes usados na elaboração do molho, os pesquisadores mediram a proporção de duas variantes do elemento químico carbono encontradas nas amostras. Soja, arroz e trigo são plantas que absorvem o gás carbônico da atmosfera e, sob a luz solar, realizam reações químicas que geram moléculas de açúcar contendo três átomos de carbono – é o chamado sistema de fotossíntese C3. Já o milho é uma planta de via fotossintética C4, por produzir açúcares com quatro carbonos. Esses açúcares continuam a existir nos alimentos, mesmo depois de os grãos serem processados, e funcionam como uma assinatura química de sua origem.
Ao analisar as amostras, os pesquisadores verificaram que o milho era o principal componente do shoyu comercializado no Brasil (Journal of Food Composition and Analysis, 3 de abril). Em média, as amostras analisadas tinham menos de 20% de soja em sua composição. Acredita-se que o uso de milho na produção do condimento esteja relacionado ao preço do grão, consideravelmente mais barato que o da soja. Entre 2007 e 2017, o preço médio da soja foi o dobro do preço médio do milho no Brasil. “O uso de milho na produção de shoyu não é ilegal, já que a legislação brasileira não especifica qual deve ser a proporção de cereais usados na sua fabricação”, afirma Maristela.
Artigo científico

MORAIS, M.C. et alStable carbon isotopic composition indicates large presence of maize in Brazilian soy sauces (shoyu). Journal of Food Composition and Analysis. v. 70, p. 18-21. abr. 2018.