segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Um Flagra no Câncer



Nova geração de testes tenta identificar a doença mais cedo, avaliar a eficácia do tratamento e auxiliar na escolha da terapia

                                                                                                  
Pesquisadores brasileiros trabalhando no país e no exterior estão finalizando uma nova geração de testes laboratoriais para detectar o câncer precocemente, antes que se torne identificável por meio de exames clínicos. De modo geral, quanto mais cedo a doença é descoberta, maior é a chance de sucesso no tratamento e até mesmo de cura. São pelo menos quatro os novos testes. Desenvolvidos por equipes em São Paulo, São Carlos e na Espanha, eles usam estratégias distintas para captar sinais de tumores em amostras de sangue, urina e outros fluidos corporais. Caso se mostrem eficientes nos próximos estágios de avaliação pelos quais ainda precisam passar, eles talvez possam, em situações específicas, substituir testes mais invasivos como biopsias e punções e servir de complemento aos exames clínicos e de imagem.
Teste múltiplo: célula eletroquímica usada na detecção simultânea de três proteínas ligadas ao câncer de próstata
Teste múltiplo: célula eletroquímica usada na detecção simultânea de três proteínas ligadas ao câncer de próstata
Os dois testes que se encontram em estágio mais avançado de desenvolvimento foram elaborados pela equipe da geneticista Anamaria Camargo no Instituto Ludwig para a Pesquisa do Câncer (ILPC) e no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês (HSL), em São Paulo. Ambos se baseiam na análise genética das características do tumor de cada paciente e representam um passo rumo à medicina personalizada, que prevê a possibilidade de realizar diagnósticos mais precisos e prescrições sob medida para cada paciente. “A personalização ocorre em todas as áreas da medicina, mas é mais desenvolvida em oncologia, por causa das bases genéticas do câncer”, diz Anamaria. No Brasil, esse modelo, que depende da identificação da causa genética das enfermidades,  ainda é incipiente. Ele começa a ser implementado em alguns hospitais particulares e agora ganha impulso no estado de São Paulo com uma iniciativa de cinco centros de pesquisa que estão se reunindo em um projeto para fazer avançar a medicina de precisão.
O primeiro teste consiste na análise de um painel gênico para orientar a terapia do câncer. Para a elaboração do painel, os pesquisadores cruzaram informações sobre as alterações genéticas recorrentes nos tumores humanos com informações sobre as vias moleculares alteradas nesses tumores e os alvos de drogas comumente usadas no tratamento da doença. No total, selecionaram os 494 genes alterados com maior frequência em diferentes tumores e que servem de alvo para algum tipo de medicamento. “Esse painel pode ajudar a guiar o tratamento, porque algumas dessas mutações tornam o tumor sensível a certos compostos”, explica Anamaria.
Centros avançados de tratamento do câncer, como o Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, ou o MD Anderson Cancer Center, no Texas, também possuem seus próprios painéis, cada um com um número diferente de genes. E já os disponibilizam para seus médicos selecionarem a droga mais eficaz para tratar cada paciente.
À caça de mutações: no detalhe (acima) e na página ao lado, lâmina que recebe amostras de DNA tumoral a serem sequenciadas no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês
Lâmina que recebe amostras de DNA tumoral a serem sequenciadas no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês
Anamaria e seu grupo atualmente trabalham na validação do painel gênico do Sírio-Libanês. Eles sequenciaram o material genético dos tumores de 12 pessoas atendidas no hospital e identificaram as mutações específicas de cada câncer. “Já analisamos sete casos e estamos concluindo outros cinco”, conta a geneticista. Até o momento, segundo a pesquisadora, o teste produzido no Sírio mostrou 100% de sensibilidade e 100% de especificidade e se saiu tão bem quanto outro mais amplo, de 600 genes, desenvolvido pela empresa norte-americana de análise genômica Foundation Medicine e disponível no mercado.
Em outra avaliação, o biomédico Luís Felipe Campesato e o bioinformata Pedro Galante, ambos do HSL, demonstraram que o painel do Sírio também pode ser usado para orientar o tratamento do câncer com uma classe de medicamentos que se tornou disponível apenas nos últimos anos: os imunoterápicos.
São moléculas que estimulam o sistema de defesa a atacar as células tumorais e que vêm produzindo resultados animadores contra alguns tipos de tumor, em especial de pele e pulmão. “O tratamento com esses medicamentos é caro e só beneficia parte dos pacientes”, diz Anamaria. “Por isso é importante identificar quem vai responder.”
Usando uma estratégia de bioinformática, Campesato e Galante confrontaram a capacidade do painel do Sírio e do painel da Foundation Medicine de associar a quantidade de mutações (carga mutacional) de tumores de pele e de pulmão com a resposta aos imunoterápicos. Em estudo publicado em outubro na revista Oncotarget, eles demonstraram que ambos foram tão eficientes quanto o sequenciamento de todo o genoma humano.
De acordo com o trabalho, os imunoterápicos foram eficientes para 70% das pessoas com câncer de pulmão que apresentavam elevado número de alterações gênicas. Nos casos de sucesso, os pacientes permaneceram ao menos seis meses livres do câncer depois do tratamento – metade deles não apresentava sinais do tumor 18 meses após o uso da medicação. Já entre as pessoas com poucas alterações gênicas, os compostos funcionaram em apenas 20% dos casos.
“Nosso teste se mostrou viável do ponto de vista científico, agora é preciso demonstrar que tem aplicabilidade prática”, afirma o bioquímico Luiz Fernando Lima Reis, superintendente de pesquisa do HSL. Antes que possa ser usado pelos médicos do hospital, será preciso passar por uma fase de certificações e de ganho de escala.
Em paralelo ao desenvolvimento do painel de genes, o grupo de Anamaria trabalha na produção de um teste individualizado para verificar se o tratamento antitumoral está funcionando como o esperado e detectar a recaída da doença. Sua equipe começou a trabalhar nesse teste a pedido do grupo dos cirurgiões digestivos Angelita Habr-Gama e Rodrigo Oliva Perez, do Instituto Angelita e Joaquim Gama.
No início dos anos 1990, Angelita, uma pesquisadora e cirurgiã respeitada internacionalmente, propôs uma estratégia ousada e menos agressiva para tratar certos casos de câncer de reto. A terapia padrão para combater tumores nesse órgão consiste na retirada definitiva da porção final do intestino, seguida de um tratamento à base de rádio e quimioterapia para evitar o reaparecimento do tumor. Em busca de uma saída que evitasse a eliminação do órgão, ela inverteu a ordem da terapia e passou a tratar seus pacientes primeiro com radiação e medicamentos e a acompanhá-los de perto com exames de imagem. Assim, conseguiu evitar a cirurgia em 28% dos casos (verPesquisa FAPESP s 162 e 195).
Preparação do teste para câncer de próstata: captura de biomarcadores proteicos em amostras de soro sanguíneo utilizando partículas magnéticas
Preparação do teste para câncer de próstata: captura de biomarcadores proteicos em amostras de soro sanguíneo utilizando partículas magnéticas
Ante o risco de o câncer ressurgir, Angelita e Perez se uniram a Anamaria para produzir um exame molecular que permita detectar o mais cedo possível se o tratamento funcionou ou se o problema reincidiu. Eles chegaram a um teste genético personalizado que já se mostrou viável, mas precisa ser aprimorado.
A partir de uma amostra do tumor, os pesquisadores determinam as alterações genéticas específicas do paciente. Concluído o tratamento combinado, eles passam a coletar apenas amostras de sangue de tempos em tempos para medir a quantidade de DNA tumoral circulante. Em princípio, essa estratégia deveria permitir encontrar tumores residuais após a terapia, além de focos metastáticos não detectáveis por exames clínicos ou de imagens.
Um ensaio-piloto com quatro pessoas com câncer de reto mostrou que o teste ainda não foi tão sensível quanto os pesquisadores inicialmente imaginavam para detectar a doença residual após a terapia. Depois do tratamento, ele não foi capaz de detectar a chamada doença residual mínima, situação em que resta menos de 10% do número inicial de células tumorais. Mas conseguiu identificar a presença de câncer quando esse número passava dos 20%. O teste, no entanto, mostrou-se bastante eficaz para avaliar a resposta ao tratamento e detectar a diminuição no tamanho do tumor. Ele permitiu antecipar em 18 meses a progressão da doença e a detecção clínica de metástases.
Esse resultado, publicado também em outubro na Oncotarget, sugere que o teste tem potencial para servir de marcador de resposta ao tratamento e para o monitoramento da doença após a intervenção terapêutica. Os níveis de DNA tumoral no sangue diminuíram no caso em que a terapia combinada de radiação e medicamentos funcionou. E aumentaram nos dois pacientes em que o tumor voltou a crescer.
“Os dados sugerem que a quantidade de material genético alterado na circulação é proporcional ao tamanho do tumor”, conta Lima Reis. A equipe do hospital planeja agora usar o teste com outros 20 pacientes do Sírio-Libanês.
Enquanto os pesquisadores da capital buscam formas de detectar tumores a partir do seu material genético diluído no sangue, em São Carlos, o químico Ronaldo Censi Faria trabalha para aprimorar a precisão do teste sanguíneo usado para fazer o diagnóstico inicial dos tumores de próstata. Faria é professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e desenvolveu um sensor para identificar simultaneamente três proteínas sanguíneas associadas ao câncer de próstata.
Hoje o exame de sangue usado para identificar alterações na próstata só mede os níveis do antígeno prostático específico (PSA) e pode indicar a presença de tumor antes dos sintomas clínicos do câncer. O problema é que há casos da doença em que o PSA não se altera e casos em que o seu nível aparece elevado sem que exista tumor. “Por isso trabalhamos com a detecção do PSA, do antígeno de membrana específico da próstata ou PSMA e do fator plaquetário 4, o PF-4, para um diagnóstico mais preciso”, esclarece Faria. “A ideia é diminuir o risco de falsos resultados.”
Faria começou a desenvolver o sensor entre 2011 e 2012, durante um estágio de pós-doutorado na Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos. A detecção dos biomarcadores ocorre por meio da emissão de luz, resultado de uma reação química (eletroquimioluminescência). No dispositivo, a intensidade de luz é proporcional à concentração das proteínas no sangue. O sensor contém eletrodos descartáveis de grafite sobre os quais são depositados anticorpos. Quando um dos três biomarcadores interage com os anticorpos, uma reação química ocorre e produz luz.
Sensor desenvolvido na UFSCar: eletrodos descartáveis de grafite sobre os quais se depositam os anticorpos contra biomarcadores do câncer
Sensor desenvolvido na UFSCar: eletrodos descartáveis de grafite sobre os quais se depositam os anticorpos contra biomarcadores do câncer
Outro tipo de dispositivo foi desenvolvido pela química brasileira Priscila Monteiro Kosaka, do Instituto de Microeletrônica de Madri (IMM), na Espanha. Chamado de sensor nanomecânico, ele é feito de silício e tem o formato de um trampolim de piscina, como uma base e uma “prancha”, cujo tamanho não passa de meio milímetro. “Cada trampolim vibra em uma determinada frequência de ressonância”, explica Priscila. “Mas quando algo se deposita na sua superfície, essa frequência de ressonância muda de maneira proporcional à massa aderida.” Se a amostra de sangue contém o biomarcador do câncer, ocorrem duas alterações no sensor: a sua frequência de ressonância se altera e a amostra muda de cor.
Tanto Faria como Priscila afirmam que seus dispositivos são mais sensíveis e precisos que os métodos de diagnóstico existentes. “No sistema que desenvolvemos, os limites de detecção chegam a ser mil vezes menores do que os do teste Elisa, em concentrações da ordem de femtograma por mililitro”, assegura Faria. “Isso possibilita que se faça uma grande diluição do soro humano, o que leva a um menor consumo de amostras e minimiza possíveis interferências.”
Além disso, Faria diz que o sensor que desenvolveu detecta mais de um biomarcador simultaneamente. “O número de falsos positivos e negativos chega a 40% com o uso apenas do PSA como indicador para câncer de próstata”, explica. “A detecção múltipla, usando três proteínas diferentes, possibilitará um diagnóstico mais preciso.”
Priscila também assegura que seu nanossensor é muito sensível e específico. “Nos ensaios em laboratório simulando uma amostra de sangue, ocorreram dois erros a cada 10 mil ensaios”, afirma. “Nosso método é capaz de identificar o biomarcador mesmo que sua concentração não ultrapasse 100 moléculas numa amostra de sangue.”
Devido à elevada sensibilidade e especificidade desses dispositivos e ao seu baixo custo, eles poderão vir a ser utilizados em exames de sangue de rotina, segundo Faria. “Isso pode impactar a saúde pública porque as chances de cura, no caso do câncer, são maiores quando o diagnóstico é realizado precocemente, além de os custos de tratamento serem muito menores”, diz.
A má notícia é que isso não é para logo. “Pode levar ainda 10 anos para chegar ao mercado”, estima Priscila. “Nosso objetivo é um nanossensor ultrassensível e de baixo custo.” Faria, por sua vez, não tem previsão para o uso do seu dispositivo nos serviços de saúde. “O sistema necessita de mais estudos até se conseguir um produto final que possa ser utilizado em hospitais e clínicas”, reconhece. “Mais pesquisas devem ser realizadas em relação à detecção de várias proteínas simultaneamente e à automatização do método.”
Para o químico especialista em bioanalítica Emanuel Carrilho, do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), os dois tipos de sensores são promissores. “São plataformas diferentes, com biossensores diferentes, mas o que ambos têm de muito interessante é a capacidade de multiplexação, ou seja, poder detectar vários biomarcadores num único ensaio”, diz. “A multiplexação deve permitir um diagnóstico completo, que mostrará se há câncer e de qual tipo ele é.”
Outro aspecto importante destacado por ele é o uso de nanopartículas, que amplificam os sinais dos dispositivos. Para Carrilho, que também é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioanalítica (INCTBio), o desafio para os novos sensores é ter anticorpos para todos os tipos de câncer.
  Por: Ricardo Zorzetto e Evanildo da Silveira
 Revista Fapesp: Edição Online - 237, Novembro, 2015

Artigos científicos



quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Il Ragno Che Dopo L'amore Distrugge i Genitali della Partner

Il maschio di una specie siberiana mutila la femmina per assicurarsi la paternità di tutta la progenie


di Michael Greshko
National Geographic Italia - Novembre, 2015.

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Un esemplare maschio di Larinia jeskovi, Fotografia di Gabriele Uhl

Quando si parla di amori complicati, gli aracnidi decisamente ne sanno qualcosa: i maschi di una specie di ragno recidono una parte dei genitali della femmina dopo l’accoppiamento, in modo da impedire che possano riprodursi con altri.

Questo comportamento garantisce al maschio di essere l’unico padre di tutta la progenie: è il primo caso conosciuto di evoluzione di una simile strategia. 
La scoperta, descritta il 5 novembre sulla rivista Current Biology, aggiunge anche interessanti sfumature alla teoria della selezione sessuale, in base alla quale maschi e femmine di una stessa specie competono per l’opportunità di accoppiarsi. Anche a costo della propria vita.

“Continuiamo a scoprire adattamenti nuovi e stupefacenti”, commenta Jutta Schneider, biologa dell’Università di Amburgo - che non ha partecipato alla ricerca recente ma in passato ha collaborato con alcuni degli autori. “La spinta all'accoppiamento esercita un una forza potentissima sugli animali". I ragni in particolare arrivano a fare cose assurde pur di trovare un partner e riuscire a propagare i propri geni, spingendosi fino al cannibalismo e all'autocastrazione. 

Mancava all'appello la mutilazione femminile: la biologa Gabriele Uhl e i suoi colleghi dell'Università di Greifswald, in Germania, hanno notato questo comportamento studiando esemplari femminili di Larinia jeskovi, una specie della famiglia Araneidae nativa della Siberia e dell’Europa dell’Est. Gli scienziati si sono accorti che, dopo l’accoppiamento, molte femmine erano prive dello scapus, una struttura la cui forma ricorda il seggiolino di una bicicletta che si trova proprio sopra i genitali. Come era successo?


Colti sul fatto

Per scoprirlo, i ricercatori hanno catturato dei ragni L. jeskovi in natura e nel loro laboratorio li hanno scrupolosamente osservati mentre si accoppiavano. Quando un maschio riusciva a montare con successo una femmina, Uhl e i colleghi li congelavano con un getto di azoto liquido, in modo da analizzarne i genitali intrecciati tramite delle scansioni. Riuscirci non è stato semplice, perché l’incontro dura pochi secondi. “Abbiamo dovuto essere velocissimi, era anche questione di fortuna”, racconta la biologa.

Un ragno maschio trasmette il suo liquido seminale tramite i pedipalpi, una coppia di appendici simili a zampe collocate vicino alla bocca, che si “agganciano” allo scapus della femmina sia da sopra che da sotto. Grazie alle osservazioni i ricercatori hanno potuto constatare che quando il maschio di L. jeskovi se ne va, una volta terminato l’accoppiamento, i suoi pedipalpi afferrano e ruotano lo scapus, tagliandolo via come una forbice. Grazie a questa manovra cruciale gli altri maschi non riescono neppure ad afferrare la femmina, il che le impedisce di trovarsi un nuovo partner sessuale.

Si tratta di una grande novità per quanto riguarda la “battaglia dei sessi” che coinvolge gli aracnidi. Molte femmine si accoppiano con più di un maschio, ma fertilizzano le uova con lo sperma di uno solo tra loro. Questa competizione ha portato i maschi di alcune specie a prendere provvedimenti drastici (tra i quali c’è l’auto-castrazione, in modo da rendere impraticabile il tratto riproduttivo delle femmine). In questo caso, “i maschi hanno trovato un modo davvero astuto, che non richiede loro di auto-mutilarsi, per impedire alle femmine di accoppiarsi con un nuovo partner”, commenta Uhl.




(A) Una femmina di Larinia jeskovi nella sua ragnatela. La freccia indica i suoi genitali esterni. (B e C) Nelle immagini al microscopio, i genitali con lo scapus (Sc) intatto (B) o mancante (C). Le frecce indicano le aperture genitali. Fotografia di Gabriele Uhl, per gentile concessione di Current Biology.

Un danno o un aiuto?

I ricercatori sospettano che il fenomeno non sia una prerogativa di L. jeskovi. Le femmine di circa 80 specie di ragni sono dotate di uno scapus, potenzialmente altrettanto vulnerabile ai pedipalpi dei maschi. Ciò che ancora non è chiaro è se per la femmina la mutilazione sia soltanto un danno, ma non lo sapremo fino a quando gli scienziati ne avranno monitorato l’aspettativa di vita e la fertilità complessiva. “Siamo ancora combattuti al riguardo”, spiega Uhl. Esiste infatti la possibilità che l’amputazione dello scapus possa portare benefici anche alla femmina. Nel corpo delle femmine di ragno, lo sperma può restare vitale anche per anni, e quindi avere un solo partner sessuale potrebbe non essere troppo dannoso ai fini della loro fertilità. Evitare che altri maschi possano accoppiarsi con loro potrebbe anche essere “un modo efficace per tenerli a distanza”, spiega Pitnick. Il che porterebbe anche un altro vantaggio, questa volta non legato alla riproduzione, per le femmine mutilate: non dovrebbero più difendere il proprio cibo, guadagnato con tanta fatica, dallo spasimante di turno.



terça-feira, 17 de novembro de 2015

'Supergene’ Determines Wading Birds’ Sex Strategy

Male ruffs look and behave differently around females, depending on their version of a 125-gene stretch of DNA.

By Ewen Callaway
Nature, 16, November, 2015 

A long stretch of DNA called a supergene explains the variety of bizarre tactics that a wading bird species deploys to win mates, a pair of genome-sequencing studies concludes.
Common to marshes and wet meadows in northern Europe and Asia, ruffs (Philomachus pugnux) are named after the decorative collars popular in Renaissance Europe. But the birds’ poufy plumage is not the only baroque aspect of their biology. Males gather at mass breeding grounds where they juke, jump and lunge toward other males, in hopes of winning females.
Male ruffs belong to one of three different forms, each with a unique approach to mating. 'Independent' males, with hodgepodge of brown and black neck feathers, are territorial and defend their bit of the breeding ground. White-feathered 'satellite' males, by contrast, invade the turf of independents to steal nearby females. A third, rarer form, called 'faeders' (Old English for father), take advantage of their resemblance to female ruffs to interrupt coital encounters.
Wading birds called ruffs have three different forms of breeding plumage and behaviour. Left to right: 'faeder', 'independent' and 'satellite' ruffs.
“They dash in and jump on the female before the territorial males does,” says Terry Burke, an evolutionary biologist at University of Sheffield, UK. “My colleague describes this as the 'sandwich'. You end up with the territorial male jumping on the back of the mimic.”

Ruffled genes

Burke was part of a team that, in 1995, found that the different approaches of male ruffs were caused by a single inherited factor. But it seemed improbable that one gene could trigger such wide-ranging differences in behaviour and appearance.
Instead, a supergene 4.5 million DNA letters long and composed of 125 individual genes seems responsible for the peculiar behaviour of ruffs, report teams led by Burke and Leif Andersson, an evolutionary geneticist at Uppsala University in Sweden, in Nature Genetics.
Ordinarily, a long continuous stretch of DNA would be broken up by the reshuffling of maternal and paternal chromosome segments that occurs in each new generation (known as homologous recombination). But the ruff’s supergene was born when a long stretch of DNA inverted itself some 3.8 million years ago. This inversion prevented genes within it from recombining with corresponding genes on a sister chromosome, and so cemented around 125 adjacent genes together. Some 500,000 years ago, portions of the inverted supergene flipped back to the correct orientation, creating a second version. Faeders possess one copy of the original inverted supergene, satellite males have one copy of the newer switched-back version, and independents lack either version.

Spectacular variation

Genetic alterations that have accrued within the supergene in the last 3.8 million years may explain why the ruff forms behave and look so differently. Faeders and satellites both harbour mutations near a gene that breaks down testosterone, and Andersson speculates that an overactive version of this gene explains why faeders and satellites are not aggressively territorial. The satellite supergene, however, carries mutations that disrupt the MC1R gene, which is involved in hair and skin colour in many animals. The white tufts of satellite ruffs could be the consequence.
Those are nice stories, but laboratory tests would be needed to determine how variations in genes such as MC1R influence traits, says Chris Jiggins, an evolutionary geneticist at the University of Cambridge, UK.
The supergene concept was first proposed in the early twentieth century to explain why sets of coloration genes seemed to be inherited in an all-or-nothing fashion in some insects — but no supergenes were found. But they are now being identified in particular animals, thanks to cheap genome sequencing. Researchers have mapped supergenes in butterflies, sparrows, ants and a few other species in recent years, but Jiggins expects that the phenomenon is relatively uncommon.
“It’s nice example of how evolution can throw up spectacular things on very rare occasions,” Burke says.

REFERENCES

1) Lamichhaney, S. et alNature Genet. http://dx.doi.org/10.1038/ng.3430 (2015).
2) Küpper, C. et alNature Genet. http://dx.doi.org/10.1038/ng.3443 (2015).
3) Lank, D. B.Smith, C. M.Hanotte, O.Burke, T. & Cooke, F. Nature 3785962 (1995).
4) Schwander, T.Libbrecht, R. & Keller, L. Curr. Biol. 24R288R294 (2014).


sábado, 14 de novembro de 2015

Alemanha Pretende Substituir os Combustíveis Nucleares e Fósseis por Fontes Renováveis

A revolução da energia poderá ser um modelo para todo o mundo?

Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL ONLINE   |   Por: Robert Kunzig

Hamburgo sabia que as bombas viriam. Por isso, os prisioneiros de guerra e trabalhadores forçados tinham só meio ano para construir o gigantesco bunker antiaéreo. Em julho de 1943, ele estava pronto. O cubo, sem janelas de concreto reforçado, com paredes de 2 metros de espessura e teto ainda mais grosso, se destacava como um castelo medieval em um parque próximo ao Rio Elba. Os canhões que se projetavam de seus quatro torreões varreriam do céu os bombardeiros dos Aliados, prometeram os nazistas, enquanto dezenas de milhares de cidadãos estariam seguros, no interior de suas paredes impenetráveis.
Os bombardeiros britânicos chegaram à noite vindos do Mar do Norte poucas semanas depois de concluído o bunker, e voaram na direção da torre da Igreja de São Nicolau, no Centro da cidade. Despejaram nuvens de tirinhas metálicas para despistar o radar e a artilharia antiaérea alemã. Bombardearam bairros residenciais populosos e provocaram uma insaciável tempestade de fogo, que devorou metade de Hamburgo e matou mais de 34 mil pessoas. Imensas paredes de chamas produziram ventos tão fortes que arremessavam as vítimas contra as labaredas.
A agulha da torre de São Nicolau, que sobreviveu não se sabe como, é hoje um mahnmal – um memorial para lembrar a Alemanha do inferno nazista. O bunker é outro mahmal. Só que hoje tem novo significado: foi transformado de um lembrete do vergonhoso passado alemão em uma visão esperançosa do futuro do país.
No centro do bunker, onde as pessoas se encolheram durante a tempestade de fogo, um tanque de água quente de seis andares e 2 milhões de litros fornece calor e água quente a cerca de 800 casas no entorno. A água é aquecida pela queima de gás de tratamento de esgoto e de dejetos de uma fábrica próxima e por painéis solares que agora cobrem o teto do bunker, sustentados por escoras afixadas nos velhos torreões dos canhões. O bunker também converte luz solar em eletricidade: uma estrutura de painéis fotovoltaicos (PV) injeta energia na rede de força capaz de atender mil residências. No parapeito norte, um café ao ar livre oferece uma vista do horizonte transformado: dali se veem 17 turbinas eólicas.
Turbinas eólicas circundam uma termelétrica a carvão em Garzweiler. Fontes renováveis geram, hoje, 27% da eletricidade do país, em comparação com 9% de uma década atrás. Um dia tomarão o lugar do carvão, mas a Alemanha primeiro irá fechar suas usinas nucleares - Foto: Luca Locatelli

Energiewende - Revolução na produção de energia
A Alemanha é pioneira em uma postura que batizou de energiewende – uma revolução na produção de energia que, segundo os cientistas, todas as nações precisarão concluir para que evitemos um desastre climático. Entre os principais países industrializados, a Alemanha é líder. Em 2014, 27% de sua eletricidade proveio de fontes renováveis, como energia eólica e solar. É o triplo do que ela produzia uma década antes e mais que o dobro desse tipo de energia gerada hoje nos Estados Unidos. A mudança acelerou-se depois do vazamento na usina nuclear de Fukushima, que levou a chanceler Angela Merkel a declarar que a Alemanha desativaria todos os seus reatores até 2022. Até agora foram desligados nove deles.
No entanto, a questão que torna a Alemanha tão importante é: o país pode liderar o abandono dos combustíveis fósseis? Cientistas dizem que mais ou menos em meados deste século as emissões de carbono que provocam o aquecimento no planeta têm de cair até praticamente zero. A Alemanha, quarta maior economia do mundo, prometeu alguns dos cortes mais expressivos das emissões: até 2020, 40% a menos em relação aos níveis de 1990, e até 2050, no mínimo, 80%.
Futuro incerto
O destino dessas promessas ainda é incerto. A revolução alemã nasceu na base da sociedade: indivíduos e genossenschaften – associações locais de cidadãos – são responsáveis por metade do investimento em fontes renováveis. Mas as concessionárias convencionais, que não previram a mudança, estão pressionando o governo de Angela Merkel a frear o ritmo da mudança. O país ainda obtém bem mais eletricidade do carvão que das fontes renováveis. Há um caminho ainda mais longo a percorrer nos setores de transporte e aquecimento que, juntos, emitem mais dióxido de carbono (CO2) que as usinas de força.

A energia de fontes renováveis está em alta, mas a Alemanha não diminuiu o uso de linhito, o carvão mais poluente. As reservas ainda são imensas. Na mina de Welzow-Süd, da Vattenfall, algumas das maiores máquinas do mundo cavam 20 milhões de toneladas por ano em um veio de 14 metros de espessura. - Foto: Luca Locatelli
Alguns políticos alemãs comparam a energiewende ao pouso da Apollo na Lua. Mas essa foi uma façanha que levou menos de uma década, e a maioria das americanos apenas a assistiu pela televisão. Já aenergiewende demorará bem mais e envolverá todos os alemães – hoje mais de 1,5 milhão deles, quase 2% da população, estão vendendo eletricidade à rede de força. “É um projeto para uma geração. Vai demorar até 2040 ou 50”, diz Gerd Rosenkranz, um ex-jornalista do Der Spiegel que agora é analista da Agora Energiewende, um think tank berlinense. “Isso está encarecendo a eletricidade para os consumidores individuais. Mesmo assim, quando entrevistadas em uma pesquisa de opinião, 90% das pessoas dizem que desejam a energiewende.”
Por quê? É o que me perguntei durante a minha viagem pela Alemanha no ano passado. Por que o futuro da energia está acontecendo aqui, num país que foi arrasado por bombardeios 70 anos atrás? E pode ocorrer em todos os lugares?
OS ALEMÃES TÊM UM MITO DE ORIGEM segundo o qual eles teriam vindo do coração escuro e impenetrável da floresta. Esse mito remonta aos escritos do historiador romano Tácito sobre as hordas teutônicas que massacraram legiões romanas, e ganhou floreios do romantismo alemão no século 19. Nas convulsões do 20, diz o etnógrafo Albrecht Lehmann, o mito permaneceu como uma fonte estável da identidade germânica. A floresta é o lugar aonde os alemães vão para restaurar a alma – um hábito que os predispõe a se preocuparem com o meio ambiente.
Assim, em fins dos anos 1970, quando as emissões dos combustíveis fósseis levaram à morte de florestas alemãs pela chuva ácida, a nação inteira se indignou. O governo e as concessionárias tentaram empurrar a energia nuclear – mas muitos alemães iam em sentido contrário. Quando a reconstrução do país já estava completa, uma nova geração começou a desafiar aquela que havia começado e perdido a guerra. “Reina uma certa rebeldia, resultado da Segunda Guerra”, me diz um cinquentão chamado Josef Pesch. “Não mais se aceita cegamente a autoridade.”
Pesch está sentado em um restaurante no topo da montanha na Floresta Negra, na orla de Freiburg. Encosta acima, em uma clareira coberta de neve, veem-se duas turbinas eólicas de 98 metros de altura, financiadas por 521 investidores privados da cidade recrutados por Pesch. Com um engenheiro chamado Dieter Seifried, conversamos sobre o reator nuclear que nunca foi construído, próximo ao vilarejo de Wyhl, a 30 quilômetros seguindo pelo Rio Reno.
O governo do estado insistia que era preciso construir o reator, senão as luzes se apagariam em Freiburg. Mas, a partir de 1975, agricultores e estudantes da região ocuparam o local. Em protestos que duraram quase uma década, eles forçaram o governo a abandonar seus planos. Foi a primeira vez em que se impediu a construção de um reator nuclear na Alemanha.
O movimento Energiewende
As luzes não se apagaram, e Freiburg tornouse uma cidade solar. Sua sucursal do Instituto Fraunhofer é líder mundial em pesquisas no setor. Seu Povoado Solar, projetado pelo arquiteto local Rolf Disch, que havia militado nos protestos de Wyhl, contém 50 casas, que produzem, todas, mais energia do que consomem. “Wyhl foi o ponto de partida”, diz Seifried. Em 1980, um instituto que ele ajudou a fundar publicou um estudo que se intitulava Energiewende – e que daria o nome ao movimento ainda por nascer.
O movimento não surgiu de uma única luta. Mas a oposição à energia nuclear, numa época em que pouco se falava sobre mudança climática, claramente foi um fator decisivo. Vim para a Alemanha achando que os alemães estavam bobeando ao abandonar uma fonte de energia livre de carbono que, até Fukushima, produzia um quarto da eletricidade que eles usavam. Volto pensando que não teria havido nenhumaenergiewende na ausência do sentimento antinuclear – o medo de vazamentos é motivo bem mais poderoso e imediato do que o temor da lenta elevação de temperaturas e mares.
Por toda a Alemanha, ouço a mesma história. De Disch, sentado em sua casa cilíndrica que gira para acompanhar o Sol como um girassol. De Gerd Rosenkranz em Berlim, que, nos anos 1980, deixou por meses seu curso de pós-graduação em física para ocupar o local de um proposto depósito de resíduos nucleares. Ou de Wendelin Einsiedler, um produtor de leite bávaro que ajudou a transformar seu vilarejo em um dínamo verde. Todos eles dizem que a Alemanha deve de se tornar independente da energia nuclear e dos combustíveis fósseis ao mesmo tempo. “Não se pode expulsar o demônio com Belzebu”, explica Hans-Josef Fell, um político do Partido Verde. “Ambos têm de ir.” Na Universidade de Ciências Aplicadas em Berlim, o pesquisador de energia Volker Quashning declara: “A energia nuclear me afeta pessoalmente. A mudança climática afeta os meus filhos. Essa é a diferença.”
Se perguntarmos por que o sentimento antinuclear inspira muito mais ações na Alemanha que, digamos, do outro lado do Reno, na França, que ainda obtém 75% de sua eletricidade da energia nuclear, voltaremos ao tempo da guerra. Ela resultou em uma Alemanha dividida no meio da Guerra Fria entre duas superpotências nucleares. Os manifestantes dos anos 1970 e 80 protestavam não só contra os reatores nucleares mas também contra os planos de implantar mísseis nucleares americanos na Alemanha Ocidental. Quando o Partido Verde alemão foi fundado, em 1980, o pacifismo e a oposição à energia nuclear eram seus princípios fundamentais.
Chernobyl e Fukushima
Em 1983, os primeiros representantes dos verdes tomaram posse no Bundestag, o Parlamento nacional, e começaram a injetar ideias ambientalistas nos círculos políticos dominantes. Quando explodiu o reator nuclear soviético de Chernobyl, em 1986, os esquerdistas social-democratas (SPD), um dos dois principais partidos da Alemanha, converteram-se à causa antinuclear. Embora Chernobyl estivesse a mil quilômetros de distância, sua nuvem radioativa passou pelos céus da Alemanha, e os pais foram aconselhados a manter seus filhos dentro de casa. “Ainda hoje nem sempre é seguro comer cogumelo ou javali da Floresta Negra”, diz Pesch. “Chernobyl foi um divisor de águas.”
Na prática, apenas a tragédia de Fukushima, 25 anos depois, convenceu Angela Merkel e sua União Democrata-Cristã (CDU) de que todos os reatores nucleares deviam ser desativados até 2022. Nessa época, a energia renovável já fazia grandes progressos. E uma lei que Hans-Josef Fell ajudara a criar em 2000 foi a principal razão.
A CASA DE FELL EM HAMMELBURG, cidade no norte da Bavária onde ele nasceu e cresceu, é fácil de avistar em meio ao pálido estuque do pós-guerra: é aquela, construída de madeira escura de lariço, com grama no telhado. Do lado sul, de frente para o quintal, a grama é parcialmente coberta por painéis fotovoltaicos e solares para aquecimento de água. Quando não há sol o bastante para produzir eletricidade e calor, uma unidade cogeradora no porão queima óleo de semente de girassol ou colza para produzi-los. Na manhã de março em que o visito, o interior de madeira da casa está banhado em luz solar e em calor vindo da estufa. Em poucas semanas, diz Fell, flores silvestres vão se abrir no telhado.
Alto, careca e de barba grisalha, Fell, de jeans e sandália Birkenstock, às vezes lembra um pregador, mas ele não é asceta ambientalista. Em um galpão no quintal, ao lado do tanque para nadar, ele tem uma sauna, aquecida pela mesma eletricidade ecológica que abastece sua casa e seu carro. Em suas palavras: “O maior erro do movimento ambientalista é dizer ‘Faça menos. Aperte os cintos. Consuma menos’. As pessoas associam tudo isso a uma queda na qualidade de vida. ‘Faça as coisas de outro modo, com energia barata e renovável’ – essa é a mensagem”.
Do jardim de Fell, em dias claros, era possível ver os penachos de vapor branco do reator de Grafenrheinfeld. Seu pai, o prefeito conservador de Hammelburg, apoiava a energia nuclear e a base militar local. O jovem Fell participou das manifestações em Grafenrheinfeld e foi levado à Justiça por se recusar a prestar serviço militar. Anos mais tarde, depois que seu pai já se aposentara, Fell acabou sendo eleito para a Câmara Municipal de Hammelburg.
Projetos de lei favorável à energia renovável
Isso foi em 1990, ano da reunificação oficial da Alemanha – e, enquanto o país se absorvia na tarefa monumental, um projeto de lei em favor da energiewende foi aprovado pelo Bundestag, sem despertar grande atenção no público. Com apenas duas páginas, o projeto consagrava um princípio crucial: os produtores de energia renovável tinham o direito de fornecer sua energia excedente à rede elétrica, e as concessionárias tinham de pagar-lhes uma tarifa, que foi apelidada de “feed-in”. Turbinas eólicas começaram a brotar no ventoso norte.
Mas Fell percebeu que a nova lei nunca resultaria em uma expansão no país todo: ela determinava que se pagasse às pessoas para produzir energia, mas não o suficiente. Em 1993, ele liderou na Câmara Municipal a aprovação de uma lei que obrigava à concessionária local garantir a qualquer produtor de energia renovável um preço superior aos seus custos. Fell organizou prontamente uma associação de investidores para construírem uma usina de energia solar de 15 quilowatts – é pequena para os padrões atuais, mas a associação foi uma das primeiras de seu gênero. Hoje existem centenas delas na Alemanha.
Em 1998, na esteira de seu sucesso em Hammelburg, Fell chegou ao Bundestag ao lado de outros representantes do Partido Verde. Eles formaram uma coalizão com o SPD. Fell aliouse a Hermann Scheer, um destacado defensor da energia solar do SPD, para formularem uma lei que, em 2000, disseminou por todo o país o experimento de Hammelburg e, desde então, vem sendo imitada no mundo todo. Suas tarifas feed-in foram garantidas por 20 anos, e pagavam bem. “Meu princípio básico era de que o pagamento tinha de ser alto o suficiente para que os investidores tivessem lucro”, diz Fell. “Afinal, vivemos em uma economia de mercado. É a lógica.”
FELL FOI UM dos raríssimos alemães que encontrei que não se disseram surpresos pelo crescimento explosivo que sua lógica desencadeara. “Na época, não acreditei que seria possível nessa magnitude”, diz o produtor de leite Wendelin Einsiedler. Do lado de fora de seu solário com vista para os Alpes, nove turbinas eólicas giram preguiçosamente na crista do morro atrás do galinheiro. Um cheiro de esterco entra com a brisa. Einsiedler começou sua energiewende particular nos anos 1990 com uma única turbina e um fermentador de esterco para produzir metano. Ele e seu irmão Ignaz, também produtor de leite, queimavam o metano em uma unidade cogeradora de 28 quilowatts, produzindo calor e eletricidade para suas fazendas. “Não pensávamos em dinheiro”, diz Einsiedler. “Era idealismo.”
Depois que a lei da energia renovável entrou em vigor, em 2000, os Einsiedler expandiram suas instalações. Hoje, possuem cinco fermentadoras, que processam silagem de milho e esterco de oito fazendas leiteiras. Eles canalizam o biogás produzido por 5 quilômetros até o vilarejo de Wildpoldsried, onde é queimado em centrais cogeradoras para aquecer os prédios públicos, um parque industrial e 130 casas. “É um princípio maravilhoso e poupa uma quantidade inacreditável de CO2”, diz o prefeito Arno Zengerle.
O biogás, os painéis solares em muitos telhados e, sobretudo, as turbinas eólicas permitem a Wildpoldsried produzir quase cinco vezes mais eletricidade do que consome. Einsiedler administra as turbinas, e não teve dificuldade para recrutar investidores. Trinta pessoas aplicaram recursos na primeira; 94 na segunda. As turbinas são uma adição de grande efeito, e às vezes polêmica, à paisagem alemã: um cenário feito de “aspargos gigantes de metal”, ironizam os críticos.
Mas a atitude das pessoas muda quando elas têm interesse financeiro nesses aspargos. Não foi difícil convencer agricultores e proprietários de casas a instalarem painéis fotovoltaicos em seus telhados; a tarifa feed-in, que lhes pagava 50 centavos por quilowatt-hora quando começou, em 2000, era um bom negócio. No auge, em 2012, foram instalados 7,6 gigawatts de painéis na Alemanha em um só ano – equivalentes, quando o sol está brilhando, a sete usinas nucleares.
Um mar de painéis fotovoltaicos circunda a pista do aeroporto de Eberswalde-Finow, ao norte de Berlim. A Alemanha está na mesma latitude que Labrador, no Canadá, mas instalou mais capacidade solar que qualquer outro país. A maioria dos painéis fica em telhados - Foto: Luca Locatelli
Assim, a lei de Fell ajudou na queda do custo da energia solar e eólica, tornando-a competitiva com os combustíveis fósseis em muitas regiões. Um sinal disso: a tarifa, na Alemanha, para novas instalações de energia solar de grande porte caiu de 50 centavos de euro o quilowatt-hora para menos de 10. “Criamos uma situação totalmente nova em 15 anos. Esse é o tremendo sucesso da lei da energia renovável”, diz Fell.
Os alemães pagaram por esse sucesso não com impostos, mas por meio de uma sobretaxa de energia renovável em suas contas de eletricidade. Neste ano, a sobretaxa é de 6,17 euros por quilowatt-hora, o que, para o consumidor médio, representa cerca de 18 euros mensais. É meio pesado para alguns, mas não para o trabalhador alemão médio. A economia alemã como um todo aloca para a eletricidade a mesma fatia do seu produto nacional bruto que alocava em 1991.
Nas eleições de 2013, Fell perdeu sua cadeira no Parlamento, prejudicado pela política interna do Partido Verde. Está de volta a Hammelburg, mas não precisa mais ver os penachos de vapor de Grafenrheinfeld: em junho, o reator tornouse o último a ser desligado. Ninguém, nem mesmo a indústria, acha que a energia nuclear voltará à Alemanha. O carvão, porém, é outra história.
Carvão
A ALEMANHA OBTEVE do carvão 44% de sua eletricidade no ano passado: 18% do antracito, boa parte importado, e 26% do linhito, ou carvão marrom. O uso do antracito diminuiu substancialmente nas duas últimas décadas, mas o do linhito não. Eis uma razão para que o progresso da Alemanha em sua meta de emissões de gases do efeito estufa até 2020 não seja tão expressivo.
A Alemanha é o principal produtor mundial de linhito. Esse carvão emite ainda mais CO2 que o antracito, mas é o combustível fóssil mais barato – mais até que o antracito, que, por sua vez, custa menos que o gás natural. Idealmente, para reduzir as emissões, a Alemanha deveria substituir o linhito por gás. Porém, como a energia de fontes renováveis inunda a rede de força, outra coisa ocorreu: no mercado atacadista em que os contratos para fornecer eletricidade são comprados e vendidos, o preço da eletricidade despencou, e com isso termelétricas a gás e até algumas a carvão deixaram de ter preços competitivos e não puderam se manter no mercado. As velhas termelétricas movidas a linhito continuam a pleno vapor, enquanto as modernas termelétricas a gás, com metade das emissões, andam ociosas. “Obviamente, temos de encontrar um caminho para nos livrar do nosso carvão”, diz Jochen Flasbarth, secretário de estado do Ministério do Meio Ambiente. “Mas é muito difícil. Não somos um país rico em recursos, e o único recurso que possuímos é o linhito.”
Restringir seu uso fica ainda mais difícil porque as grandes concessionárias de energia vêm perdendo dinheiro na Alemanha – por causa da energiewende, dizem; porque não se adaptaram, rebatem seus críticos. A maior dessas concessionárias, E.ON, proprietária da Graferheinfeld e muitas outras usinas, declarou um prejuízo superior a 3 bilhões de euros no ano passado. “As concessionárias de energia na Alemanha tinham uma estratégia”, diz Flasbarth, “que era a de defender sua linha, a do combustível nuclear somado ao fóssil. Não tinham nenhuma estratégia B.” Perderam o bonde da energiewende quando ele partiu da estação, e agora o estão perseguindo. A E.ON está se dividindo em duas companhias, uma para lidar com carvão, gás e energia nuclear; a outra, com fontes renováveis.
A Vattenfall, uma estatal sueca que é outra das quatro grandes concessionárias da Alemanha, segue empenhada em uma evolução semelhante. “Somos um modelo para a energiewende”, diz alegremente o porta-voz Lutz Wiese, ao me receber na Welzow-Süd – uma mina a céu aberto na fronteira com a Polônia, que produz 20 milhões de toneladas anuais de linhito. Em uma cava de 29 quilômetros quadrados de extensão e até 100 metros de profundidade, 13 colossais escavadoras trabalham em sincronia – movem a cava na paisagem, expondo e removendo o veio de linhito e despejando os rejeitos atrás delas para que a terra possa ser replantada.
É um belíssimo dia de primavera na região. A única nuvem que se vê é o penacho de vapor que sobe lentamente da usina de força de 1,6 gigawatts em Schwarze Pumpe, que processa a maior parte do carvão extraído em Welzou- Süd. Em uma sala de reunião, Olaf Adermann, gerente de ativos das operações com linhito da empresa, explica que a Vattenfall e outras concessionárias nunca imaginavam que as fontes de energia renováveis decolariam tão rápido.
“Temos de nos defrontar com algum tipo de limpeza do mercado”, reconhece Adermann. Mas ele afirma categoricamente que o linhito não deve ser a fonte eliminada, pois é “o parceiro confiável e flexível” quando o sol não está brilhando ou quando não venta. Adermann, que é da região e trabalhou para as minas de linhito antes de pertencerem à Vattenfall, prevê que elas continuarão ativas até 2050, e talvez além.
A Vattenfall, porém, pretende vender suas usinas de linhito, se conseguir encontrar comprador, para se concentrar nas fontes renováveis. Está investindo bilhões de euros em dois novos parques eólicos no Mar do Norte – porque há mais vento em alto-mar que em terra e porque uma grande companhia precisa de um projeto grande para custear suas despesas gerais. “Não podemos trabalhar em terra na Alemanha”, diz Wiese. “É um negócio pequeno demais.”
A Vattenfall não está sozinha: o surto de expansão da energia renovável disseminou-se pelos mares Norte e Báltico e, cada vez mais, pelo controle das concessionárias. O governo de Angela Merkel incentivou a transição, limitando a construção de usinas solares e eólicas em terra e mudando as regras de modo a deixar de fora associações de cidadãos. No ano passado, a quantidade de energia solar adicionada à rede de força diminuiu para cerca de 1,9 gigawats, um quarto em relação ao pico de 2012. Os críticos dizem que o governo está ajudando as grandes concessionárias em detrimento do movimento de cidadãos que lançou a energiewende.
Quase 90 metros acima do Mar do Norte e a mais de 50 quilômetros da Alemanha continental, um engenheiro trabalha em uma turbina eólica operada pela Dong Energy. Dezenove parques eólicos foram feitos ou estão em construção nas águas dos mares Norte e Báltico - Foto: Luca Locatelli
No fim de abril, a Vattenfall inaugurou oficialmente seu primeiro parque eólico alemão no Mar do Norte, um projeto de 80 turbinas chamado DanTysk, situado aproximadamente a 80 quilômetros da costa. A cerimônia, em um salão de dança em Hamburgo, foi uma ocasião feliz também para a cidade de Munique. A concessionária municipal, Stadtwerke München, é dona de 49% do projeto. Como resultado, hoje Munique produz eletricidade renovável suficiente para abastecer suas casas, seu metrô e suas linhas de trem. E até 2025 pretende suprir toda a sua demanda com fontes renováveis.
POR AINDA CONSERVAR boa parte da indústria pesada, a Alemanha continua a ser responsável pelo maior volume de emissões de carbono per capita da Europa Ocidental. Sua meta para 2020 é reduzir essas emissões em 40% em relação aos níveis de 1990. A partir de 2014, já atingiu 27%. O sistema europeu de créditos de carbono, pelo qual os governos emitem autorizações de emissão de gases negociáveis pelas empresas poluidoras, não tem sido muito útil até o momento. Existem autorizações demais em circulação, e elas são tão baratas que a indústria tem pouco incentivo para reduzir suas emissões.
Comprometimento alemão
Embora a Alemanha não esteja progredindo muito em direção à sua meta para 2020, segue à frente no cronograma da União Europeia. Poderia se acomodar nesse nível – e muitos no partido de Angela Merkel (CDU) querem que ela faça isso. Mas a presidente e o ministro da Economia Sigmar Gabriel, chefe do SPD, reafirmaram seu comprometimento com os 40% em fins de 2014.
Ainda não provaram que podem cumpri-lo, porém. No segundo trimestre de 2014, Gabriel propôs um imposto especial sobre as emissões de termelétricas a carvão velhas e ineficientes; logo havia 15 mil mineiros e trabalhadores, incentivados por seus patrões, protestando às portas do ministério. Em julho, o governo recuou. Em vez de tributar as concessionárias, disse que lhes pagaria para fechar algumas termelétricas a carvão – e obteve apenas metade da economia de emissões planejada. Para que aenergiewende tenha êxito, a Alemanha precisará fazer mais.
Precisará parar de usar gasolina e diesel também: o setor de transportes reponde por 17% das emissões no país. Assim como as concessionárias de energia, as famosas fabricantes de veículos – Mercedes-Benz, BMW, Volkswagen e Audi – estão atrasadas na energiewende. Além disso, a imagem do setor sofreu um abalo em setembro, com o escândalo que revelou que milhões de veículos a diesel da Volkswagen no mundo todo estavam equipados com um dispositivo para manipular a emissão de gases poluentes.
As montadoras alemãs já oferecem mais de duas dezenas de modelos de carros elétricos. A meta do governo é ter 1 milhão deles nas ruas até 2020 – por enquanto, são cerca de 40 mil. O problema é que esses veículos ainda são caros demais para muitos alemães, e o governo não oferece incentivos substanciais para sua compra.
A situação é bem semelhante para as construções, cujos sistemas de aquecimento emitem 30% dos gases do efeito estufa na Alemanha. A Alemanha não está erguendo muitos prédios novos. “A estratégia sempre foi modernizar construções antigas, e suprir a energia que elas utilizam com fontes renováveis”, diz Matthias Sandrock, pesquisador do Instituto de Hamburgo. “Esse é o plano, só que não está funcionando. Estamos fazendo muito, mas não o suficiente.”
Por toda a Alemanha, prédios antigos estão sendo envoltos em 15 centímetros de espuma isolante e ganhando janelas modernas. Empréstimos a juros baixos do banco que ajudou a reconstruir o oeste arrasado pela guerra com o Plano Marshall financiam projetos. No entanto, apenas 1% do total das construções do país está sendo renovado por ano. Para que todas as construções sejam quase neutras para o clima até 2050 – a meta oficial –, esse ritmo teria que dobrar. Em uma ocasião, conta Sandrock, o governo aventou a ideia de obrigar os proprietários de residências a fazerem a renovação. A gritaria do público estourou esse balão de ensaio.
“Depois de Fukushima, por algum tempo, houve aufbruchstimmung. Durante meio ano, ocorreu uma verdadeira euforia”, diz Gerd Rosenkrantz. Essa palavra alemã quase impronunciável significa mais ou menos “a alegria da partida”; é o que um alemão sente quando sai para uma longa excursão em companhia de amigos. Com todos os partidos da Alemanha de acordo, explica Rosenkranz, aenergiewende dava essa sensação. Mas não durou. Interesses econômicos agora provocam conflitos. Alguns alemães dizem que talvez seja preciso outra catástrofe como a de Fukushima para catalisar uma nova arrancada de progresso. “O ânimo está ruim”, diz Rosenkranz.
Mas eis o que os alemães fizeram de importante: eles sabiam que a energiewende não iria ser um passeio pela floresta, e mesmo assim a iniciaram. O que podemos aprender com eles? Não precisamos transplantar seu desejo de rejeitar a energia nuclear. Nem nos apropriar de sua experiência com dois grandes projetos que transformaram a nação – reconstruir o país quando isso parecia impossível, 70 anos atrás, e reunificá-lo quando ele parecia dividido para sempre, há 25 anos. Mas podemos nos inspirar e achar que é possível acontecer uma energiewende em outros países também. Ao nosso redor.
Em um ensaio recente, William Nordhaus, um economista de Yale que passou décadas estudando o problema de lidar com a mudança climática, identificou o que considera sua essência: os aproveitadores. Como o problema é global e fazer alguma coisa tem um custo, muitos países se conformam em não fazer nada e ficar torcendo para que outros tomem providências. Enquanto a maioria das nações quer pegar carona dessa forma, a Alemanha tem outro comportamento: tomou a frente na iniciativa. E, ao fazer isso, facilitou a jornada para o resto de nós.